SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS [Adaptado do texto de Bertold Brecht, de mesmo título]

Se os tubarões fossem Homens, eles organizariam a sociedade dos peixes em 2 grupos: peixes menores (nadadores) e tubarões (não precisavam nadar para sobreviver). De tal modo que, os poucos tubarões existentes manteriam, ora através da força e ora através da cultura, um fluxo constante de oxigênio e alimentos (os próprios peixinhos) chegando até eles. Nesse contexto, além dos meios de produção da própria existência, bem como dos peixinhos (maioria da vida aquática), os tubarões dominariam os mares e rios, mantendo as correntes marinhas e fluviais fluindo em seus próprios benefícios. Há quem diga que essa seria a verdadeira natureza dos tubarões, porém nem sempre foi assim. Historicamente, todos os peixes eram herbívoros.

Se os tubarões fossem Homens, eles mandariam peixinhos criarem leis. Tais regras diriam que todo peixe é igual, porém, na prática, os tubarões sempre levariam vantagem, já que eles dominariam os fazedores das leis, os canais de informação e comunicação, as polícias, os exércitos, e a sociedade de modo geral. Inclusive, os peixinhos não desconfiariam da dominação dos tubarões. Os peixinhos acreditariam nessa falsa liberdade, enquanto os tubarões engoliriam pouco a pouco enormes cardumes de peixinhos, que nadariam felizes para suas bocas, cantando “borbulhas de amor”. Nesse mundo de ilusão, os peixinhos duvidariam da ciência, que comprovaria a verdadeira intenção dos tubarões, mas teriam a certeza de que a corrupção e sofrimento é culpa dos PT (peixes-traíras). Também haveria religião, onde os tubarões escreveriam mandamentos, como sendo a vontade do Deus Netuno. Tais mandamentos ensinariam que o sofrimento levaria a vida eterna – na barriga do grande tubarão branco celestial.

Se os tubarões fossem Homens, não iriam de um canto para outro nas correntes dos mares, como todo peixe normal. Eles andariam em luxuosos iates, para não se misturar com a massa dos peixes. Afinal, alguns peixes nem acreditariam em tubarões, já que os tubarões ficariam escondidos no PL (paraíso liberal) ou no NOVO (naufrágio de oportunidade para vender opiniões), situados nas fossas abissais. Os peixinhos (doces) dos rios disputariam com os peixinhos (salgados) dos mares, para ver quem nadaria mais rápido. Os tubarões ficariam felizes ao observar competição entre os peixinhos, pois, quanto mais os peixinhos se de gladiavam, mais recursos os tubarões garantiam e acumulavam. Haveria prêmios para os melhores nadadores – lindas medalhas de algas, ornamentadas com coentro e pimenta, que aumentariam o apetite dos tubarões. Haveria também colaboração entre os peixinhos, porém toda solidariedade seria para manter os peixinhos dentro da correnteza que direcionariam todos ao mesmo sentido – engordar os tubarões.

Se os tubarões fossem Homens, eles fariam os outros peixes acreditarem no mito do peixinho salvador, capaz de trazer uma vida mais feliz para todos os peixes. Seria uma grande enganação, já que os tubarões usariam dessa estratégia apenas para manter os peixinhos desorganizados, sem discutirem um projeto de vida aquática elaborada coletivamente. Alguns peixinhos gritariam por REVOLUÇÃO, outros por REFORMAS, porém todos seriam rotulados como vermelhos e sofreriam duras sansões. Nesse sentido, os tubarões manteriam viva uma suposta ameaça vermelha, ainda que a maior parte dos peixinhos nem soubessem o que seria esse tal pigmento vermelho, como forma dos peixinhos não conversarem sobre qualidade de vida para TODOS os peixes. Os tubarões permitiriam que os peixes oprimidos construíssem escolas para jovens, adultos e idosos peixinhos, inclusive reservariam recursos para a criação e manutenção dessas escolas, como forma de conter a revolta dos peixinhos com tanta miséria e desigualdade. Essas escolas seriam bem diferentes das escolas dos tubarões. As escolas dos peixinhos ensinariam a nadar direitinho, com sensação de liberdade, preferencialmente sozinhos, sempre na correnteza dos rios e nas correntes marinhas, obedientes a lei e a ordem, e seguindo tradições e bons costumes. Enquanto nas escolas dos tubarões ensinariam a manter a estrutura social vigente, ou seja, manter os peixinhos nas correntes que levam diretamente as enormes bocas dos tubarões.

Se os tubarões fossem Homens, chegaria o dia em que não haveria correntes para tantos peixinhos e, aos montes, eles iriam morrendo em águas estagnadas, sem ao menos satisfazerem a farra gastronômica dos tubarões. Imediatamente, após esse dia, os tubarões perceberiam um sabor amargo na água, e também nos peixinhos, através de Floração de Algas Nocivas, também conhecida como Maré Vermelha. Nesse dia, os peixinhos tomariam consciência da sua condição de “nadador para bocas de tubarões” e nadariam segundo suas próprias direções. Nesse lindo dia, os tubarões reconheceriam que também são peixes.

Assim funcionaria o capitalismo aquático, se os tubarões fossem Homens.

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A SOLIDARIEDADE NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS DE EJA: entre reformas, revolução e silêncio

Fonte da imagem: http://www.ivancabral.com/2009/03/charge-do-dia-nota-baixa.html

 

Por Roberto Eduardo Albino Brandão

 

Em uma simplória tentativa de sistematização das intervenções em reuniões de professores, ao longo desses meus 25 anos de magistério, com foco na participação em temas polêmicos, observo os reformistas, que acreditam em pequenos ganhos naquilo que se entende por qualidade na educação, os revolucionários que lutam por mudanças estruturais (dominar os dominantes), e os silenciosos, que se calam principalmente diante da opressão, seja porque desistiram de lutar e/ou não acreditam em classe dominante. Nesse contexto, com o advento do artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394-96), “Os estabelecimentos de ensino respeitando as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”, surge a obrigação (legal) desses profissionais da educação, junto aos estudantes e comunidade, em cada unidade escolar – UE, dispor do seu Projeto Político Pedagógico – PPP.

É evidente que esse processo de Planejar e construir um PPP, principalmente em escolas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde os sujeitos foram privados do direito à escolarização, pressupõe diálogo, respeito ao pensamento divergente, diálogo, escuta atenta, diálogo, paciência histórica, diálogo, disputas ideológicas, diálogo, exposição de contradições e diálogo. Nesse sentido, esse texto trata da insistência no diálogo (sensível) em torno do PPP e poderia ser intitulado: “PODE PROFESSOR DA EJA FALAR? Considerações sobre a existência (ou não) do projeto político pedagógico – PPP”, a semelhança do capítulo de livro[1]: “PODE ESTUDANTE DA EJA FALAR? Experiências de jornal estudantil em uma escola pública periférica”, que segue os mesmos embates ideológicos refletidos nesse texto. Não pretendo entrar no mérito de como as escolas públicas e/ou seus gestores encontraram caminhos de apresentar PPP, como num passe de mágica, em atendimento estrito a sua obrigação legal, sem participação efetiva de toda comunidade escolar. Mas precisamos nos perguntar, o que é um PPP? Para Gadotti (1994, p. 579)[2], nesse processo dialógico de gestão democrática:

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus autores e atores.

Seguindo essa linha de raciocínio, se considerarmos que todo PPP deveria romper com o tempo presente, e que o tempo antes da pandemia de covid 19 é diferente do tempo presente, é possível afirmar que o PPP, outrora construído, ainda existe? O que significa considerar um PPP com mais de 1 ano, ainda que sem proposta metodológica de revisitação/alteração/atualização, sem uma avaliação participativa (objetiva ou subjetiva), sem que se leve em conta o querer, o saber e o fazer de todos/as? O PPP está localizado na gaveta da direção da UE ou nos corações e mentes da comunidade escolar? Os reformistas e os silenciosos entendem que as realidades educacionais e sociais sofrem modificações? É possível falar que a escola tem um “PPP antigo”?

Penso que as respostas para essas perguntas estão em nossa capacidade de “co-laborar” coletivamente para a superação do sistema (capitalista). Esse sistema, repleto de determinantes sociais, tenta nos paralisar, embaçar nossa visão e atrapalhar nossa formação política. Ou seja, fugimos do debate franco e aberto, nos perdemos em conflitos interpessoais, e não discutimos o que realmente importa, que é a educação emancipatória de nossos estudantes. Para Rummert[3] (2011, p. 157):

Os alicerces de tal proposta pedagógica não se constroem no âmbito das ações em curso para a educação de jovens e adultos trabalhadores marcadas por um caráter subordinado aos padrões atuais de sociabilidade definidos pelo capital.

De fato, o que se observa nas escolas de EJA, é uma suposta solidariedade pragmática, principalmente no que é determinado pelos gestores. O PPP deveria originar-se, não como obrigação legal, mas como fruto de um debate fraternal e respeitoso de ideias, conscientes dos diferentes caminhos epistemológicos trilhados por todos/as em cada unidade escolar. Penso que tal amadurecimento político, principalmente no que se refere aos processos formativos no chão da UE define, em parte, a qualidade das ações desenvolvidas por cada UE. Como são os espaços formativos da sua escola, como por exemplo os centros de estudos – CE? Os professores pensam coletivamente sobre o que precisam saber para melhorar a qualidade do trabalho da UE? Há reflexões de caráter formativo e coletivo ou apenas questões pragmáticas acerca da burocracia escolar? Já ouviu falar em “CE individual”? Quem constrói as pautas dessas reuniões? Quem faz os relatos e como são disponibilizados/consultados? Qual o nível de envolvimento político dos docentes em defesa da EJA?

Para os revolucionários, é importante não mascarar os conflitos, mas evidenciá-los e explorá-los no sentido formativo, onde o PPP representa essa real possibilidade. Todavia, pensar as formas com que as discussões se dão, para além da metodologia de construção do PPP, precede o início de sua elaboração. Um dos problemas é a falta de DIALÉTICA. Como professor, ativista político em prol da EJA, noto, em reuniões “pedagógicas”, a falta do pensamento dialético. Nesse sentido, é importante considerar, em cada reunião pedagógica, que existem vários pontos de vistas (em disputa) sobre um determinado assunto, além das opiniões da equipe gestora da escola. A força resultante dessa disputa (luta) pode reforçar o lado dos trabalhadores ou o lado da classe dominante. Nesse sentido, a quem interessa a existência de um PPP de gaveta (que não dialoga com a realidade social dos/as estudantes)? Quem lucra quando um professor acusa outro de ser autoritário? A turma do silêncio sempre reforça o lado de quem está ganhando (hegemonia). Seria extremamente importante, na medida em que defendemos uma posição, também falar sobre como chegamos até aquele argumento, justificar os interesses (de classe) envolvidos, bem como aquele argumento se insere na LUTA DE CLASSES. Se, ao contrário, fizermos um debate aligeirado, desprovido de fundamentação e, além disso, considerarmos nosso companheiro de embate teórico, como um oponente/inimigo, rotulando-o com adjetivos desnecessários, certamente não avançaremos no debate dialético.

Portanto, não há luz no fim do túnel para a construção do PPP, que não seja o trem em sentido contrário para atropelar a classe trabalhadora. A realidade concreta mostra o caminho “moderno e espetaculoso” da alienação (visão superficial e distorcida da realidade), quando não atentamos para a comunicação dialética, produzindo e reproduzindo as mazelas sociais que tanto criticamos. Atribui-se mais atenção ao plano de gestão (da direção), ao plano de ação (de poucas mãos), do que ao PPP verdadeiramente democrático/participativo. E, com isso, vem o adoecimento/sofrimento mental, tão comum atualmente. Somos diversos, seja de direita ou esquerda, seja liberal, social-democrata ou comunista, seja religioso ou ateu, seja morador de favela ou do asfalto, tenha concluído a educação básica ou não, somos seres humanos em processo de humanização. Podemos até dizer que estamos no mesmo “barco”, porém, alguns ainda tentam (em vão) conter a entrada de água na rachadura do casco do barco, enquanto outros ainda não sabem que o barco está afundando, e que não há salva-vidas para todos. Ou seja, não nascemos humanos, nos tornamos humanos (ou não) nas interações (políticas) que fazemos. No caso da EJA, se entre professores já é conflituosa a interação, mais conflituosa ainda é a interação política entre professores, sobretudo os acríticos e os estudantes jovens, adultos e idosos, que trazem uma bagagem de “certezas” cristalizadas em suas historicidades e/ou a negação da política. É como trocar “óculos velho” por “dentadura quebrada” e continuarmos sufocados por reformas que modificam apenas a aparência. Assim, a solidariedade se dá apenas naquilo que é funcional ao sistema:

Seguindo as reflexões sobre concepções e análises de políticas públicas pelo viés marxista, bem como as suas metodologias, observa-se que algumas teorias se confirmam: a educação de jovens e adultos, como vem sendo hoje ofertada, é excludente e, para não ser radical, raramente é construtora de cidadãos críticos. Ao contrário, é uma forma bastante eficaz para manter o poder da burguesia e respaldada por políticas públicas, logo está legitimada pelo Estado – isto é, um Estado a favor do poder hegemônico que impede a emancipação da classe trabalhadora. (SILVA, 2020, p.19-20)[4]

Viver a luta de classes não é o mesmo que se posicionar (estabelecer estratégias coletivas). Viver a luta de classes todos vivemos, e sofremos com ela. Mas se posicionar significa pensar e agir com consciência de que fazemos parte da classe oprimida (trabalhadora) e que, portanto, a dialética é essa interação política que nos permite uma visão ampliada da realidade. Promover o pensamento dialético, em prol da emancipação humana, não é tarefa fácil. Fácil é morrer de overdose! Parafraseando a canção de Cazuza “Ideologia”, eu digo que meus heróis ainda vivem, apesar da overdose… eh, meus amigos estão no poder.

Ao refletir sobre como estamos interagindo, enquanto classe trabalhadora, sem idealização, com respeito ao pensamento divergente, através de uma abordagem de vários pontos de vista, inserida na luta de classes, nessa escuta atenta em que não há “dono da verdade”, estamos nos ajudando (sendo solidários) no enfrentamento das violências e na promoção da saúde e da intersetorialidade. Assim, dizer que não há um PPP na escola, ainda que digam que há um “PPP antigo” é agir na ruptura do antigo e abrir espaço para o novo. Não quero, com isso, desprezar a história, apagando os esforços anteriores, e sim enfatizar o momento presente, com as pessoas de hoje, na superação do caráter compensatório e assistencialista da EJA no agora, com a firme intenção de emancipar a classe trabalhadora. Tenho um profundo respeito por quem pensa diferente, porém, respeito ainda mais os que não se furtam ao debate franco e aberto, sem paixões, com o objetivo de fazer boas sínteses, ainda que provisórias.

[1] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1R7Eg1xBkL7dWTjK-Q28h0BRhuqhD6bFs/view?usp=share_link

[2] GADOTI, M. Pressupostos do projeto pedagógico. Anais da Conferência nacional da Educação para Todos. Brasília: MEC, 1994. Disponível em: https://repositorio.usp.br/directbitstream/60b90f87-e2ec-44d3-8c2a-2d5555706aaa/Pressupostos%20do%20projeto%20p… Acesso em: 29 abr 2023.

[3] RUMMERT, S. M. Educação de jovens e adultos trabalhadores e a produção social da existência. In: CIAVATTA, Maria; TIRIBA, Lia (org.). Trabalho e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Liber Livro; EdUFF, 2011. p. 137-163.

[4] SILVA, Tiago Dionisio da. A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: DESTITUIÇÃO DE UM DIREITO. Disponível em: https://periodicos.ifsc.edu.br/index.php/EJA/article/view/3039

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DIZEM POR AÍ, NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS… (Versão 6.0 – revista e ampliada)

por Roberto Eduardo Albino Brandão

 

A educação é capaz de dominar ou de libertar, diz a história

“A Eja” é direito, diz a gramática

“O Eja” é gasto, diz a elite do atraso

A escola pública sofre com a precarização, diz o trabalhador

A escola privada reproduz privilégios, diz a burguesia

Lutar pela escola unitária, diz o comunista

Premiar conforme os méritos pessoais de cada indivíduo, diz o secretário

Escola é lugar de todis, diz a constituição

70 milhões de brasileiros ainda não concluíram a Educação Básica, diz a matemática

Fome cresce no mundo e atinge 9,8% da população global”, diz a ONU

Escolas reproduzem a violência estrutural de forma acrítica, diz a sociologia

O sistema capitalista “destrói a natureza, destrói o trabalho e destrói a classe trabalhadora”, diz o XVII ENEJA

É possível um capitalismo humanizado, diz o social-democrata

Precisamos aumentar os lucros, diz o capitalista

Formar políticos que reproduzam nossa ideologia, diz (e age) a classe dominante

Otimizar (no sentido de fechar) turmas de Eja, diz o político neoliberal

Vamos cumprir as ordens, sem questionar, diz o gestor da educação

Os alunos da Eja não querem nada, diz a direção da escola

Levei um tapa na cara do “poliça”, diz o estudante da Eja

Não consigo arranjar emprego, diz o cidadão

Desisti de procurar emprego, diz a pessoa em situação de rua

Por que um garoto (preto) anda nas ruas da favela a essa hora, diz o policial

É o mistério e/ou vontade do divino, diz o religioso

– Professor, já buscou atendimento profissional em saúde mental? Pergunta a coordenadora pedagógica

Tratar os sujeitos com remédios modernos, diz (e lucra) a indústria farmacêutica

Tratar a sociedade do consumo com consciência de classe, diz a psicologia histórico-cultural

Capitalismo é a doença, necropolítica é um dos sintomas, diz a ciência

É assim mesmo, não adianta lutar, diz a professora conservadora

Só a luta muda a vida, diz a professora (da Eja) militante

Não temos pernas para movimento de massa, diz o pesquisador da Eja

Temos muitos pesquisadores da Eja para movimentar as pernas, diz a massa

Vamos estudar coletivamente e discutir nosso projeto político pedagógico, diz o professor comprometido com a emancipação da classe trabalhadora

Cresce a revolta popular e o ódio de classe na direção da REVOLUÇÃO, diz o movimento social…. ops, isso não pode dizer!

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RELATO DE UM PROFESSOR SOBRE EDUCAÇÃO PARA DEMOCRACIA EM UMA ESCOLA PÚBLICA, COM ÊNFASE EM SUA PARTICIPAÇÃO NO CONSELHO ESCOLA-COMUNIDADE – CEC

(ordem cronológica de acontecimentos – atualizado em 23/05)

17/05/2022 – Fui comunicado verbalmente, pela diretora (presidente), que a reunião do CEC na escola, prevista para o dia seguinte (18/05 – quarta-feira – 17 às 18:30h), para tratar do PPP, foi adiada para dia 07/06/2022 (terça-feira – 16 às 17:30h), sem consulta aos representantes do CEC, em razão dela (a presidente) estar “atendendo turmas no horário da reunião”. Tal decisão de adiamento, embora justificada, corroborada pelo caráter “consultivo” e não “deliberativo” do CEC, nos coloca a reflexão sobre até que ponto as decisões individuais (gestão pública) podem sobrepujar os acordos coletivos do CEC (governança). O TCU (Tribunal de Contas da União) faz importante distinção entre gestão pública e governança: “[…] enquanto a governança é responsável por estabelecer a direção a ser tomada, com fundamento em evidências e levando em conta os interesses da sociedade brasileira e das partes interessadas, a gestão é a função responsável por planejar a forma mais adequada de implementar as diretrizes estabelecidas, executar os planos e fazer o controle de indicadores e de riscos” (Fonte: <https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/governanca-no-setor-publico/>). Nesse sentido, penso que a gestão democrática, através da governança realizada pelo CEC, encontra-se ameaçada, uma vez que não há, minimamente, respeito aos acordos estabelecidos. E você professor(a), o que acha disso?

09/05/2022 – Eu e a prof. suplente fomos convocados, pela diretora da escola, para uma reunião de emergência. Ao entrar na sala da direção, fomos informados tratar-se de tomada de ciência, consignada em ata, de uma determinada professora que, supostamente, não estaria cumprindo sua função pedagógico administrativa. Na ocasião, deixamos claro nosso posicionamento ético político de não emitir qualquer opinião e/ou parecer sem antes ouvir a referida professora.

05/05/2022 – Assembleia (virtual agendada para 10h) para eleição dos membros do Conselho Escola Comunidade – Segmento Professor, que participarão do Fórum Municipal de Educação e do Conselho de Alimentação Escolar. Fui convocado pela CRE com 21 horas de antecedência. Algumas CRE não se fizeram representar. Coloquei meu mandato a disposição para a eleição do representante da SME junto ao Fórum Municipal de Educação, porém não fomos eleitos. Durante a apresentação, coloquei a contradição entre a representação de fato e de direito, onde todos/as concordaram.

03/05/2022 – Segunda reunião (agendada para 16h) oficial do CEC na escola. Antes do início da reunião, a presidente me pergunta o que seria isso, apontando para meu gravador pessoal. Antes que eu pudesse explicar o objetivo da gravação, a presidente, de forma intempestiva, retira-se da sala, verbalizando que ligaria para a chefia, para saber se eu poderia utilizar meu gravador na reunião do CE. Ao retornar à sala, a presidente informa que não autoriza a gravação de sua voz e pergunta aos presentes se mais alguém também não autorizaria. Apenas a responsável de uma das alunas (menores), que não é membro do CEC, acompanhou a presidente, no sentido de não autorizar a gravação de voz da sua filha. Os demais membros do CEC manifestaram-se, alegando que não teriam objeção a gravação. Tentei explicar que a gravação teria o único propósito de registrar minha fala/participação, e possibilitar o relato (extraoficial) para o segmento (professor) do qual represento, justificando que a ata (oficial) não é divulgada, o que me parece uma dificuldade em se atender ao princípio da publicidade inerente ao serviço público. Expliquei também que a suposta “autorização” não se faria necessária, pois tratava-se de uma reunião em um espaço público, cuja divulgação/transparência é do interesse de toda comunidade escolar. Em face da ameaça, por parte da presidente em cancelar a reunião, caso eu insistisse na gravação, o que causou comoção entre os presentes, diante do impasse, resolvi me calar e não assinar a referida ata. Pontuei que é uma tarefa difícil participar e, ao mesmo tempo, efetuar o registro da reunião, principalmente em uma sala escura (com apenas uma lâmpada funcionando). Tal dificuldade é expressa nas interrupções dos diálogos, por solicitação da presidente, na qualidade de relatora, em razão de não acompanhar a velocidade das narrativas verbais e transcrevê-las na ata, fazendo com que os presentes permaneçam em silêncio até que a relatora conclua a escrita das falas. Além disso, ao final da reunião, há um aligeiramento para a leitura e assinatura da ata, o que causa dificuldade em atentar para possíveis correções do texto escrito. Ato contínuo, seguiu-se a sugestão de pauta que apresentamos: A) PPP (método e tempo disponível): a presidente do CEC informa que já possui os alunos representantes do Peja de cada turma, porém não pode colocar no CEC sem que eles tenham sido eleitos. Para resolver isso, ela apresenta uma “brecha”, em utilizar a vaga ociosa da associação de moradores para colocar uma responsável (de um estudante menor) que também é estudante do Peja. Coloquei 2 sugestões metodológicas para pensarmos nosso PPP, de forma participativa. A presidente sugere incluir a coordenadora pedagógica, que já possui um esboço de PPP, deixando esse ponto de pauta para uma outra reunião (extraordinária) específica; B) Busca ativa (análise de conjuntura): presidente justificou o motivo pelo qual as cartas não foram enviadas e o cartaz não foi confeccionado. O retorno da busca ativa está sendo satisfatório; C) Recursos financeiros disponíveis em 22 de março (início do mandato) e gastos até a presente data, incluindo a recente pintura na escola: presidente informa que pode dar ciência, porém não precisa consultar o CEC para decidir os gastos da escola. Informa também que a pintura da fachada inclui os estudantes do Peja; D) Mural do CEC e mural da gestão: sugeri 3 tipos de prestação de contas. Uma da gestão para a CRE (que já se encontra disponível no mural). Uma do CEC (informando os objetos dos gastos, ao invés do fornecedor, bem como os montantes recebidos). Uma para os estudantes menores, com a transposição didática necessária; E) Fim do caráter deliberativo do CEC: ficou para a próxima reunião; F) Laicidade da escola pública: explicação da denúncia que a escola sofreu, sobre a Páscoa, bem como discussão sobre celebração do dia das mães.

30/04/2022 – Primeira reunião remota (sábado – 9 às 10:10h), do segmento professor na escola. Cinco professores presentes, representativos de todos os turnos da escola. Reforçamos os princípios contidos na carta de compromisso dos professores candidatos ao CEC. Estabelecemos como ações prioritárias, do segmento professor: 1 – Dinamizar a construção de um projeto político pedagógico – PPP que contemple verdadeiramente todas as vozes da nossa comunidade escolar; 2 – Cobrar um maior engajamento da escola na busca ativa; 3 – Fiscalização das contas da escola; 4 – Maior transparência da gestão da escola e do CEC. Definimos os seguintes assuntos para serem incluídos na pauta da próxima reunião do CEC: A) PPP (método e tempo disponível); B) Busca ativa (análise de conjuntura); C) Recursos financeiros disponíveis em 22 de março (início do mandato) e gastos até a presente data, incluindo a recente pintura da escola; D) Mural do CEC e mural da gestão; E) Fim do caráter deliberativo do CEC; F) Laicidade da escola pública. Sugestões para a próxima reunião do segmento, em maio/2022, de forma remota: sexta – 21 às 22h ou dia da semana – 17:30 às 18:30h.

27/04/2022 – Primeira reunião dos representantes do CEC da CRE. Foi convocada pela CRE, com 24 horas de antecedência, sem comunicação prévia de pauta. Iniciou-se com atraso de 16 minutos. Os 2 pontos de pauta, trazidos pela CRE, foram a questão do cartão benefício para os estudantes e o “erro” da inclusão do caráter deliberativo na PORTARIA CONJUNTA SUBAIR-SUBG Nº 02. Na visão da CRE, o CEC é para “aconselhar”, sendo importante o respeito e a urbanidade nas relações pessoais. Me coloquei, ao final, pontuando que a democracia participativa precisa avançar muito na escola pública, sobretudo com o retrocesso representado pela retirada do caráter deliberativo do CEC. Somos representantes de direito, mas até que ponto somos representantes de fato? Coloquei a pergunta para reflexão de todos, para ser respondida na próxima reunião: Como produzir um PPP de fato, que dê conta do saber, do fazer e do querer de todos os membros da comunidade escolar? Ao solicitar cópia da ata, que foi assinada por todos os presentes, a mesma me foi negada. Nesse mesmo dia, foi publicada RESOLUÇÃO SME nº 322, que prorroga até 31 de dezembro de 2025 o mandato dos membros do CEC.

13/04/2022 – Publicação no D.O., retirando o caráter “DELIBERATIVO” da PORTARIA CONJUNTA SUBAIR-SUBG Nº 02. Mais do que uma simples retificação, suprimindo uma palavra, tal alteração modifica a essência do papel dos CEC para o fortalecimento da democracia nas escolas. Em meu ponto de vista, isso significa um retrocesso, na medida em que o diretor, por exemplo, estaria desobrigado a acatar a definição das prioridades para aplicação dos recursos financeiros, realizada pelos representantes eleitos do CEC, em face do caráter “consultivo”, e não deliberativo/decisório. Além disso, como fica a tarefa de “receber e movimentar os recursos oriundos dos convênios e programas, […]” (Art. 4º – IV), previsto na RESOLUÇÃO SME Nº 1305, de 01/10/2014, se a portaria que dispõe sobre o CEC não prevê seu caráter deliberativo? Enquanto servidores públicos, só podemos fazer ou deixar de fazer o que está previsto em legislação própria. Portando, S.M.J., trata-se de uma clara contradição entre o “caráter consultivo, fiscalizador e mobilizador, […]” e a movimentação da conta bancária (conjunta) por parte do Vice-Presidente e do Terceiro membro do CEC. O exercício da cidadania política e social, sobretudo através de instâncias participativas como o CEC, deveria resultar em ampliação das capacidades coletivas de tomada de decisão, por parte do Estado, e não em sua restrição. Mas isso é o que eu penso. Resta saber o que a comunidade escolar, particularmente o segmento professor, o qual represento, pensa a esse respeito.

12/04/2022 – Embora a convocação para participar da reunião na coordenadoria regional – CRE, feita pela diretora da escola, tenha sido para “posse do segmento professor representante do CEC”, fui surpreendido com o verdadeiro motivo dessa reunião. Tratou-se da eleição (de professores) dos territórios e da CRE. Fui inserido em um pequeno grupo de 10 unidades escolares – UE e, após uma breve conversa sobre os desafios do CEC, fui indicado para representar esse grupo de professoras, em nosso território. Durante a apresentação do CEC, feita por representante da CRE, perguntei sobre qual dispositivo legal era o Art. 1º do slide apresentado. A representante não soube informar naquele momento, mas que logo responderia de qual dispositivo legal tratava-se o slide. Informei que o motivo da pergunta era porque foi suprimida a palavra “deliberativo”, caso o dispositivo apresentado fosse a PORTARIA CONJUNTA SUBAIR-SUBG Nº 02 (31/03/2022), e que ela considerou apenas o caráter “consultivo, fiscalizador e mobilizador” do CEC. A representante da CRE concluiu a apresentação e retirou-se da sala para sanar a dúvida do professor. Ao retornar, ela informou aos presentes que, de fato, tratava-se da citada portaria 02, mas que estava aguardando uma resposta da SME sobre o caráter deliberativo do CEC. Ato contínuo, no grupo em que eu participava, a referida representante da CRE informou que não era de “má fé” que a palavra foi suprimida, e que a portaria 02 não revogou a 01, e que, segundo ela, não continha a palavra “deliberativo”. Mostrei que a portaria 01 foi revogada sim, pela portaria 02 citada. Minutos depois, sem reconhecimento do “equívoco” na apresentação do slide, a representante da CRE informa que a SME baixará uma medida esclarecendo em qual(is) situação(ões) o CEC é deliberativo. Foi pedido que os representantes dos diferentes territórios se candidatassem para a eleição da representação da CRE junto a SME. Eu e mais 5 professores(as) nos candidatamos e tivemos 30 segundos para falar, para em seguida fazermos a eleição aberta. Falei, por último, entre outras coisas, que a democracia na escola precisa avançar, sobretudo através de uma participação efetiva do CEC, na elaboração do PPP das escolas, enaltecendo o princípio da impessoalidade e da democracia participativa. A primeira votação foi cancelada, pois havia professores que votaram em mais de um candidato. Fui o mais votado em ambas as votações, e com isso fui eleito professor representante do CEC na CRE, junto com outro professor (2º mais votado). Já eleito, agradeci a confiança depositada, ratifiquei a necessidade de o CEC impulsionar o processo de democratização das escolas, argumentando que não faz sentido, por exemplo, uma escola com representação (de direito) de alunos do primeiro segmento regular (diurno) não ter representatividade (de fato) e/ou não representar os interesses dos alunos do Peja (noturno).

05/04/2022 – Primeira reunião oficial do CEC, recém-eleito na escola, com todos os segmentos. Embora não tenha sido consultado acerca do melhor dia e horário, compareci a essa reunião, que teve início pontualmente as 17:30h. Iniciamos com as apresentações, onde falei do meu orgulho de fazer parte desse grupo, sendo ex-aluno de uma escola pública e agora trabalhador dessa escola. A diretora distribuiu aos presentes cópia da PORTARIA CONJUNTA SUBAIR-SUBG Nº 02 (31/03/2022). Compartilhei com o grupo a RESOLUÇÃO SME Nº 1305 (01/10/2014), que especifica 17 atribuições do CEC (Art. 4º). Na eleição do vice-presidente e terceiro membro do CEC, indiquei a professora suplente, a qual rejeitou em razão de estar trabalhando (em turma) a maior parte do tempo. A presidente nata do CEC (diretora da escola) coloca a necessidade de o vice-presidente estar presente nos momentos de pagamentos aos fornecedores e/ou prestadores de serviço, caso a decisão do CEC corrobore com a carta de compromisso dos professores de não assinar cheques em branco. Coloquei os entraves nesse processo de acompanhar a execução financeira, nesse contexto em que dispomos nosso restrito tempo livre para dedicar ao CEC. O representante do segmento funcionário foi eleito e a professora suplente ficou como terceiro membro. Fui eleito para o conselho fiscal com mais 2 representantes do segmento responsável (pai e mãe de aluno). A presidente colocou em votação se a escola iria manter a divisão financeira (recursos federais), em 2022, entre: 60% custeio (material pedagógico/pequenos consertos) e 40% capital (bens inventariados/usado diretamente com aluno). Me abstive dessa votação, uma vez que não havia consultado meu segmento para essa tomada de decisão.

22/03/2022 – Fui eleito titular do CEC, pelo segmento professor da minha escola, ciente de que os/as professores/as votaram nos princípios e não na pessoa.

14/03/2022 – Eu e demais professoras candidatas ao CEC, em atitude inédita na escola, assinamos carta de compromisso, em clara subversão da ordem de se votar na pessoa, para se votar nos princípios/na ideia:

CARTA DE COMPROMISSO ASSUMIDO POR CANDIDATAS(OS) AO CONSELHO ESCOLA-COMUNIDADE

Nós, servidoras(es) públicas(os) da E.M. XXXXXX, pautadas(os) no princípio da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade e da laicidade, reafirmamos a importância de zelar pelo fiel cumprimento de nosso compromisso ético-político, junto ao Conselho Escola-Comunidade (CEC), independente do resultado da eleição para compor a representatividade do segmento professor.

Entendemos que o CEC é um espaço importante de aprimoramento da democracia na escola, sobretudo no sentido da democracia participativa, e não apenas representativa. Repudiamos decisões individuais e/ou em pequenos grupos, que não reflitam a ampla maioria da nossa comunidade escolar, bem como qualquer atitude discriminatória e/ou vexatória. Assim, prometemos não criminalizar movimento estudantil, não assinar “cheque em branco” ou qualquer outro ato “em confiança”, que não esteja devidamente documentado/formalizado e/ou divulgado, preservando o direito de sigilo somente quando a lei determinar.

Reconhecemos como valores que devem orientar todas as deliberações do CEC:

  • A transparência na gestão dos recursos públicos, em linguagem acessível aos diferentes segmentos da escola,
  • Cordialidade e equidade nas relações interpessoais,
  • A garantia do acesso público à informação, sem necessidade de requisição,
  • A garantia do permanente diálogo através da constituição de espaços efetivos de participação envolvendo todas e todos,
  • O respeito ao pensamento divergente e ao protagonismo estudantil.

Comprometemo-nos a seguir o diálogo franco e aberto com toda a nossa comunidade escolar, inclusive antecipando reflexões coletivas, acerca das demandas (em escala de prioridade) da nossa escola, com vistas à melhor eficiência e eficácia na aplicação dos recursos públicos que virão, bem como envidar esforços no sentido da construção coletiva (metodologia, planejamento, execução e avaliação) do Projeto Político-Pedagógico da escola.

22/12/2021 – A direção da escola comunica “término de requisição” (devolução do servidor para a coordenadoria regional), para mim e outra professora, sem apresentar um justo motivo e sem qualquer envolvimento do CEC. Tal decisão foi revogada, também à revelia do CEC, e fomos reintegrados a escola.

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CONFLITO DAS AVES: FÁBULA DE UM MUNDO REAL

por Roberto Eduardo Albino Brandão

Fonte da imagem: https://ebird.org/species/sibcra1?siteLanguage=pt_BR

Era uma vez 3 espécies de aves, que competiam por recursos e poder: A águia-americana (predador oportunista, seu alimento principal é peixe), o estorninho (ave pequena, intimida e expulsa outras aves de seus ninhos, levando ao declínio de espécies nativas, é onívora), e o grou-siberiano (ave de aparência majestosa, com plumagem branca e longo bico vermelho, seu alimento principal é peixe).

Nessa história, a Otan (Organização do Tratado da Avifauna Norte) foi criada pelas águias-americanas, junto com vários estorninhos, para combater (com força bélica) o modo de vida (e de pescar) dos grous-siberianos. Naquela época, os grous-siberianos pescavam e se alimentavam segundo suas próprias necessidades, período conhecido como URGS (União das Repúblicas dos Grous-Siberianos). Ao contrário, para viver o sonho das águias-americanas, elas sempre exploraram os estorninhos (e outras aves) para pescarem os maiores (em tamanho e quantidade) e melhores peixes possíveis. Posteriormente, com a dissolução da URGS, os grous-siberianos passaram também a explorar os estorninhos, e a Otan perdeu o sentido de sua existência. Apesar disso, as águias-americanas, seguindo a sua tradição de imposição de força e de ideologia, sobre os obedientes estorninhos, decidiram expandir a Otan por todos os biomas ao redor do habitat dos grous-siberianos, cercando-os. Quando um grupo de estorninhos, mais próximos dos grous-siberianos, ameaça fazer parte da Otan, os grous-siberianos invadem o território dos estorninhos, como medida preventiva, para garantir a sobrevivência/soberania dos grous-siberianos.

E o mundo (das aves) se pergunta, por que a guerra? Qual sua origem? Quem começou a guerra? Quais desdobramentos futuros? Quaisquer respostas, que se proponham a ir à essência e não na simples aparência, passa pela história da ornitologia (estudo das aves). Entre tantos pássaros, de poder e riqueza variados, a guerra é apenas um elemento (dos mais traumáticos e visíveis) desse conflito histórico entre 2 modos de viver: desigual/meritocrático/competitivo e outro igualitário/sem classe social/colaborativo. Nessa polarização, até mesmo o 01 das ararajubas (outra espécie de ave pequena, que vive ao sul, cujo nome em tupi significa “papagaio amarelo”), que não tinha nada a ver com a Otan, historicamente subserviente as águias-americanas, e combatente à antiga URGS, ao declarar “somos solidários aos grous-siberianos”, cria um incidente diplomático e confunde a opinião de governo com posição de Estado. Tal contradição nos exige, para além da reflexão ético-responsável, posição política frente a luta de classes, que se expressa em cada jovem ararajuba (preto e pobre) morto nas favelas cariocas, fortemente relacionada a conjuntura imperialista internacional. Entre águias/estorninhos, grous e pseudoararajubas (que prestam continência para as águias), Mario Quintana diria: “Eles passarão…Eu passarinho!”

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

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ENTRE OS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS NA ESCOLA PÚBLICA DE MASSA: DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ?

por Roberto Eduardo Albino Brandão[1]

Fonte: https://spbancarios.com.br/charge/03/2019/escola-publica

 

A matéria de ontem (19/02/2022), no jornal O Globo, intitulada: Debandada no MEC: 11 servidores entregam cargos e citam defesa do ‘interesse público sobre o privado’[2], é bastante significativa para pensarmos o contexto das nossas escolas públicas de massa, especialmente na educação de jovens e adultos – EJA. Me refiro as “de massa”, para diferenciar das outras escolas públicas que utilizam algum tipo de seleção de alunos, inclusive através de “sorteios” de vagas. Portanto, me refiro a escola que aceita todos/as e atualmente não possui “fila de espera” de vagas, onde é possível perceber que “[…] a evasão escolar e a redução do número de matrículas na EJA são dois pregos nos olhos da classe trabalhadora[3], e cuja explicitação do comprometimento ético-político dos profissionais da educação torna-se cada vez mais necessária e urgente.

Em tempos de mídias sociais, é fácil “falar para” a massa de trabalhadores, o difícil é ser “escutado atentamente” por ela, sobretudo quando a narrativa procura ir à essência e não a simples aparência. Mais difícil ainda, é “refletir com” a massa (coletivamente). Nesse sentido, alguns trabalhadores, principalmente os identificados com a perspectiva ideológica marxista/socialista, já vinham alertando sobre a atuação/influência de organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, ONU, OEA, etc.), bem como organizações ditas “sociais”, financiadas por recursos privados (e/ou parcerias público-privadas), “sem fins lucrativos” (para efeitos jurídicos), muitas associadas a bancos privados (Bradesco, Santander, Itaú, etc.) e/ou a megaempresários/milionários (Roberto Marinho, Ayrton Senna, Paulo Lemann, Abílio Diniz, etc.), “ajudando” governos em políticas públicas que seguem a lógica neoliberal de educação. Assim, pesquisadores/as apontam que:

O Estado se desresponsabilizou diretamente também pela educação infantil e pela educação de jovens e adultos, estimulando a sua expansão por meio de políticas de parceria. […] O caráter mais imediatamente interessado das ações educacionais neoliberais materializou-se nas políticas públicas direcionadas à melhoria da qualidade de ensino, entre as quais merecem destaque: o treinamento de dirigentes escolares, metamorfoseados em gerentes; a redefinição da política de formação de professores de todos os níveis de ensino; a definição das diretrizes e dos parâmetros curriculares nacionais; as diretrizes para elaboração dos projetos político-pedagógicos das escolas e os mecanismos de avaliação do desempenho escolar, das instituições de ensino e do corpo docente. (NEVES & PRONKO, 2008, p.66-67)[4]

No contexto atual, no chão das escolas públicas de massa, não é raro aplaudirem vídeos/ideias, propaladas por tais entidades, como a meritocracia e o empreendedorismo, por exemplo, exaltando um modelo de educação voltado aos interesses mercantis (da classe dominante), como se o “mercado” fosse uma força suprema capaz de garantir justiça social, ainda que para os mais “esforçados”. Por outro lado, reforçando essa mesma lógica neoliberal, observa-se a passividade em cada canto dessa escola pública. Na prática, professores calados, inertes a qualquer ação coletiva de forma crítica, frente as contradições do modo de produção capitalista, reforçado por narrativas hedonistas, dizem muito da função social da escola hoje. Esse “mudismo” se reflete na ausência de assembleias envolvendo toda comunidade escolar e/ou elaboração coletiva do projeto político pedagógico, no ambiente antidialógico travestido de centro de estudos/reunião pedagógica, bem como tudo isso é “ensinado” aos estudantes, através da nova pedagogia da hegemonia, onde:

O Estado, não sem tensões e contradições, vem intensificando, com todos os instrumentos legais e ideológicos a seu dispor, o seu papel de educador, ou seja, de instrumento de conformação cognitiva e comportamental do brasileiro ao projeto de sociabilidade burguesa implementado pelos governos anteriores. (NEVES, 2005, p.95)[5]

Nesse caminho, para o fosso da conciliação de classes/apaziguamento da luta de classes, encontramos gestores (trabalhadores com cargos de confiança) cumprindo fielmente os ditames da sociedade do consumo/excludente (educação como mercadoria), sem qualquer visão crítica dessa realidade, negação da política no ambiente escolar, formação de professores (em serviço) desalinhada com as necessidades/prioridades de cada escola, organizações sindicais com pouco fôlego para o trabalho de base, baixo protagonismo estudantil na EJA, etc. E, até mesmo, quando conseguimos uma pequena organização estudantil atuante na contra hegemonia, que se inicia com um jornal dos estudantes e egressos, os próprios profissionais (trabalhadores) da educação conseguem sufocar (violentamente) a liberdade de expressão, a criticidade, e pôr fim a única forma de participação social não institucionalizada dos estudantes na escola.

Vivemos tempos difíceis. Tempos que precisamos registrar e avançar na luta coletiva anticapitalista. Como situações extremas exigem medidas extremas, não importa se “o rei está nu”, o que importa mesmo, antes de destituir o rei e instaurar o poder popular, é dizer em alto e bom tom que não concordamos com a opressão do rei em cima dos trabalhadores, ainda que essa decisão resulte em prejuízo individual. Portanto, parabenizo a ação política (admirável) de servidores públicos conscientes, que não compactuam com os interesses privados na educação, e me coloco ao lado desses/as, na luta histórica em favor do serviço público e da classe trabalhadora, e contra a acumulação de riqueza e a propriedade privada da classe dominante. E você, de qual lado está?

[1] www.roberto.bio.br

[2] Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/debandada-no-mec-11-servidores-entregam-cargos-citam-defesa-do-interesse-publico-sobre-privado-25399888

[3] Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/55511a2cf4d33d95bdbad1a06ee08783.PDF

[4] Livro: O Mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado: da formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo / Lúcia M. W. Neves e Marcela A. Pronko. – Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.

[5] Livro: A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso / Lúcia M. W. Neves (Org.). – São Paulo: Xamã, 2005.

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AGRADECIMENTOS E APRENDIZADOS

Caríssimas pessoas preocupadas com a Eja,

 

Agradecemos as centenas de moções/apoios, formais e informais, escritos e verbais, de entidades e pessoas físicas, em relação ao que denominamos PERSEGUIÇÃO POLÍTICA A PROFESSORES E INTIMIDAÇÃO A ESTUDANTES DO PEJA, em especial aos/as estudantes que nos enviaram cartas/mensagens. Ficamos profundamente sensibilizados por tais manifestações de carinho, apreço, reconhecimento do trabalho que realizamos e a fundamental solidariedade de classe.

Em resumo, conseguimos sustar, ainda que provisoriamente, o desejo de impedir a condução do nosso trabalho na escola, através da nulidade do relatório que a direção apresentou, em razão de falha no trâmite administrativo para o término de requisição, conforme alegado por representantes da SME. No entanto, o dossiê, em que sustentamos a perseguição política e intimidação aos estudantes, ainda não foi apreciado em sua totalidade e segue seu trâmite junto a ouvidoria. Esperamos que ele tenha um desfecho coerente com o que foi discutido na reunião com a 3ª CRE.

Ao nos defender da perseguição política que sofremos, bem como das intimidações aos nossos estudantes, refletimos bastante, nesse período em que não gozamos “férias”, acerca do que poderia ter evitado essa situação. Por isso, apontamos como essencial para o trabalho junto a Eja, os seguintes aprendizados:

  1. Sabemos que a eleição direta para diretor de escola, bem como as instâncias (institucionalizadas) de participação social, foram grandes conquistas. Todavia, tais avanços democráticos nas escolas básicas não foram suficientes para garantir as discussões políticas necessárias aos processos civilizatórios mais amplos, tão pouco para subverter a “negação da política” (amplamente difundida em tempos atuais).
  2. Em um salutar ambiente dialógico, entre profissionais de educação, para se fazer uma crítica (consistente), há que argumentar, a partir de algum lastro teórico, e não simplesmente contestar por contestar.
  3. Os/as estudantes, no que se refere ao processo de construção de um jornal “estudantil” (não escolar), demonstraram extrema cautela em suas produções textuais, no sentido do respeito interpessoal e no compromisso ético e verdadeiro.
  4. As atas devem ser a exata expressão do que aconteceu na reunião, portanto devem ser lidas, corrigidas e assinadas no mesmo dia, preferencialmente em meio eletrônico (para facilitar o trabalho do relator).
  5. As “atas” dos CE devem seguir uma lógica de relatoria que contemple mais o processo ensino-aprendizagem. Devem conter a síntese dos aprendizados efetivamente discutidos. Não precisam ser assinadas, mas devem ser aprovadas no CE seguinte, cujo tempo de maturação pode ajudar na relação entre teoria e prática. Devem ser disponibilizadas para todos/as, principalmente para os/as que não participaram do CE.
  6. A direção da U.E., ou quem esteja coordenando a reunião, deve ficar atenta ao perceber que algum participante está calado, deve sempre perguntar a esse colega a sua opinião frente ao assunto em pauta, na tentativa de agregá-lo as discussões ou entender (e tentar resolver) o motivo de sua “ausência” nas discussões, promovendo o devido registro sistemático em ata. Nesse sentido, tão importante quanto garantir a fala dos participantes, na ordem de inscrição, sem interrupções, deve também interromper a fala/reunião até que todos/as estejam realmente exercendo a devida escuta atenta. Ninguém deve atender o celular (ou passar mensagens), no momento da reunião, dentro da sala, principalmente quem estiver coordenando a reunião.
  7. Apoio incondicional ao movimento estudantil do Peja, independente da matriz ideológica, bem como não tratar de “crime/judicialização” no ambiente escolar.
  8. Não confundir projeto político pedagógico (PPP) com projeto pedagógico anual (PPA).
  9. A semelhança dos instrumentos administrativos que estabelecem critérios/orientações para Professor Orientador e Professores do Peja, a SME poderia também formalizar algumas atribuições para as direções das U.E. (Diretor Geral, Diretor Adjunto e Coordenador Pedagógico) no Peja, tais como:
    1. Envidar esforços em articular o Peja ao PPP da escola, ciente de que essa modalidade exige que tenhamos uma visão crítica da sociedade e dos processos de exclusão gerados pela desigualdade social;
    2. Garantir a participação plena da comunidade escolar, inclusive dos alunos jovens, adultos e idosos, em reuniões/assembleias, buscando a inserção do Peja no PPP da escola, em todas as suas etapas: metodologia, elaboração, implementação e avaliação;
    3. Estimular a participação ativa de representante(s) da Unidade Escolar – U.E. em reuniões de formação agendadas pela E/SUBE/CRE e/ou E/SUBE/GEJA, relacionadas ao Peja;
    4. Garantir espaço para avaliação (coletiva) do trabalho realizado no Peja da U.E., ao longo do ano letivo, onde professores e direção da U.E. tenham condições de sinalizar aspectos que porventura não estejam em concordância com os documentos norteadores do Peja. Compreendendo que o resultado desse trabalho é de responsabilidade de todos, portanto o aluno não será o único a ser avaliado, mas todos os profissionais envolvidos. As reuniões para avaliação deverão ser registradas em ata;
    5. Promover uma melhor articulação entre o trabalho dos professores do Peja I com os do Peja II, bem como dos professores de Artes, Educação Física e Língua Estrangeira com as demais disciplinas, de modo a constituir-se uma única equipe do Peja, buscando um trabalho cooperativo e solidário;
    6. Apoiar iniciativas que dizem respeito ao protagonismo estudantil, como manifestações culturais ou organizativas (Grêmio Estudantil, Jornal Estudantil, Clubes de Ciências/Leitura, etc.);
    7. Se fazer presente, ainda que não fisicamente, nos horários e atividades que envolvem o fluxo dos alunos do Peja, durante as atividades escolares coletivas, bem como dos momentos de estudo dos professores, dentro da U.E. Ciente da necessária disponibilidade para o diálogo e à reflexão em todas as situações referentes ao trabalho no Peja;
    8. Ter ciência que sua função é eminentemente de gestão (democrática), com forte impacto nas questões pedagógicas que envolvem o Peja;
    9. Buscar articular parcerias com outras instituições sociais, de modo a favorecer um desenvolvimento integral desse aluno, seja em termos de atividades culturais e/ou de saúde;
    10. Coordenar assembleias periódicas com os alunos sobre o funcionamento do PEJA, avaliação, propostas e compromissos, para um melhor desenvolvimento do trabalho;
    11. Buscar intercâmbio com a equipe da GED/CRE e da GEJA/SME, em relação às demandas de trabalho com os professores e/ou alunos do PEJA, como por exemplo, na organização de palestras, seminários, oficinas, exposições de trabalhos para professores e/ou alunos;
    12. Participar do esforço coletivo de busca ativa de alunos, procurando mecanismos para aumentar o número de matrículas e diminuir a evasão escolar.

Para todos/as que sofrem algum tipo de perseguição política no ambiente escolar, seja por conta de um cartaz, apoio a um jornal estudantil, e/ou simplesmente ter uma visão de mundo diferente da maioria, esperamos que 2022 seja um ano letivo repleto de boas reflexões coletivas, mas sobretudo de gestão democrática comprometida com a participação política de jovens, adultos e idosos. Continuaremos atentos/as e repetindo o velho dito: “TRABALHADORES DO MUNDO, UNI-VOS!”.

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10 LIÇÕES QUE DEVERIAM FAZER PARTE DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

por Roberto Eduardo Albino Brandão[1]

  1. A EJA (educação de jovens e adultos) como modalidade de educação que resgata direitos e sua militância política: ter consciência de que, no Brasil, a EJA sempre foi destinada aos subalternizados dessa sociedade, que permanece e amplia sua capacidade de exclusão e geração de desigualdades. Mas saber disso não é suficiente para contrapor aos que entendem a EJA como “gasto” e não como investimento e/ou resgate de direitos. É preciso esforço de mobilização coletiva, para agir na transformação da realidade, em favor das classes populares. Ou seja, é fundamental participar da militância política na EJA, especialmente o movimento Fórum EJA.
  2. A luta constante, por democracia nas escolas, é árdua, porém fundamental – não adianta proibir, tem que discutir: sabe-se que a escola democrática não persegue politicamente professores, por seu pensamento divergente ou por sua base epistemológica, tão pouco intimida estudantes em seu livre exercício de pensar e/ou comunicar, ao contrário, incorpora tais elementos em seu fazer pedagógico, no sentido de criar unidade na diversidade. Os avanços democráticos nas escolas básicas, como a eleição direta para diretor de escola, s.m.j., não foram suficientes para introduzir discussões políticas mais amplas (processos civilizatórios), tão pouco para inviabilizar os discursos que criminalizam docentes e discentes em razão de determinados posicionamentos políticos. Assim, a eleição direta para direção de escola, por exemplo, se constituiu em “verniz” de democracia, onde os detalhes/fundamentações dos “planos de gestão” não são discutidos com a comunidade escolar, quiçá construídos coletivamente com os estudantes. Faltam espaços para o exercício verdadeiramente democrático e/ou formação para cidadania autêntica, ou seja, onde não se excluam segmentos, onde a metodologia e a pauta do que será discutido sejam construídos, desde o início, com seus integrantes/participantes, onde o cargo eletivo represente de fato os interesses dos eleitores, em estreita articulação do trabalho da escola com a democratização da sociedade.
  3. Na luta política, em favor da classe trabalhadora, encontramos trabalhadores que vestem a camisa da classe dominante: isso se torna evidente quando a política pública (educacional) é executada no chão das escolas, através de micropoderes, sem qualquer possibilidade de diálogo com o público envolvido, no sentido do “tem que fazer”, “são ordens e temos que cumprir” ou, ainda, “eu não concordo, mas tem que…”. No setor privado, o público da EJA enfrenta as mesmas dificuldades, que são elementos constitutivos de um currículo que deveria estar presente em todas as disciplinas, sendo capaz de gerar reflexões sobre a estrutura social vigente (hierarquizada) e sua forma de superação. Percebe-se o fiel cumprimento aos ditames da ordem opressora/dominante, por exemplo, na defesa de cursos profissionalizantes, de baixa exigência intelectual, voltados para o mercado/empreendedorismo, para o público da EJA, pressupondo um caráter compensatório e assistencialista. Não se trata, porém, de apenas criticar tal perspectiva pedagógica-hegemônica. É preciso perceber as relações econômicas, em todas as suas dimensões, bem como os privilégios, entendendo as contradições do mundo do trabalho, para assumir a perspectiva de classe em si, através do movimento coletivo (ampliado) de “reflexão-ação-reflexão”.
  4. Jornal estudantil como instrumento de organização dos estudantes-trabalhadores: A baixa autoestima, a dificuldade de se expressar/comunicar (em linguagem formal e letramento digital), o medo de fazer crítica, e o comodismo, por parte dos estudantes jovens, adultos e idosos, apresentam-se como desafios aos docentes que trabalham na EJA, em uma perspectiva crítica-não reprodutivista. No entanto, o próprio medo dos profissionais da educação básica em subverter a lógica antidialógica e antidemocrática, dentro das escolas, se reproduz e vai sendo transmitido aos estudantes de duas formas. A primeira é o mudismo, onde os profissionais se calam, evitando qualquer manifestação política dentro dos espaços escolares, constituindo um currículo oculto de desesperança e sofrimento psíquico. A segunda é a ação direta sob os estudantes, no sentido da intimidação, da humilhação e/ou da criminalização do movimento estudantil autônomo e crítico. Assim, um jornal que traga essas vozes (silenciadas e/ou invisibilizadas), sem censura e/ou controle por parte dos docentes, é uma experiência rica em possibilidades de diálogo/democracia no espaço escolar. Não se pode menosprezar a iniciativa de um jornal estudantil, quando estudantes tomam consciência de seu real potencial transformador.
  5. A escola unitária e o compromisso principal com o público (jovens, adultos e idosos): ideal de formação humana, a escola unitária leva em conta a “elaboração unitária de uma consciência coletiva”, capaz de romper com a estrutura social que permite a coexistência de escolas de ricos/governantes/opressores e escolas de pobres/governados/oprimidos. O profissional que trabalha na EJA, além de defender a universalização efetiva da escola e a educação unificada, deve apresentar uma relação afetiva e de interesse por esses educandos.
  6. A Pedagogia Histórico Crítica (PHC) a serviço da superação da sociedade de classes: considera-se que o Homem produz sua própria história, dentro da confluência de forças na luta de classes, na concretude do modo de produção capitalista.
  7. Não abrir mão dos momentos de estudo, a partir da realidade de cada escola: não se pode abrir mão das conquistas historicamente adquiridas, e uma delas é a formação continuada em serviço na EJA. Trata-se de um momento próprio reservado a reflexão coletiva, portanto aos desafios que o coletivo de professores julga importantes. Além disso, há uma diversidade de concepções teórico-metodológicas que perpassam a EJA, algumas inclusive conflitam entre si. O conflito ou a discordância nasce da ausência de um amadurecimento das reflexões teóricas profundas/radicais, e, portando, da desvalorização dos momentos de estudo, que irá repercutir negativamente nas ações e planejamentos pedagógicos. É claro que, quanto mais curioso, quanto maior for o prazer em estudar, quanto maior o interesse em se manter atualizado em relação à sua área de atuação, mais eficiente será a co-laboração desse profissional em produzir coletivamente/qualitativamente novos conhecimentos sobre o trabalho na EJA.
  8. PPP (projeto político pedagógico) construído “com a EJA” e não “para a EJA”: além de ser uma obrigação legal, o PPP de uma escola, principalmente em tempos de intolerância religiosa, negacionismo e pseudoneutralidade política, é o único instrumento que, em estabelecer diretrizes básicas de organização e funcionamento do trabalho escolar, deve ser fruto do saber, do querer e do fazer de todos/as. Em linhas gerais, tendo em vista que esse processo é demorado e envolve uma escuta atenta de todos/as, inclusive no que se refere a EJA, através de metodologia que garanta isonomia nessa participação plena, as escolas adiam ao máximo a elaboração do PPP ou investem em projetos pedagógicos anuais temáticos, confundindo-os com PPP.
  9. Quem não pensa politicamente a EJA está condenado a servidão do projeto político neoliberal: sabe-se que a escola pública cumpre sua função social, inclusive, quando profissionais criticam e apresentam alternativas a política educacional vigente, seja através de um cartaz, ou apoio a um jornal estudantil, ou simplesmente explicita uma determinada visão de mundo, que faz parte da liberdade de manifestação política. Não se trata de defender partido político A ou B, e sim da multiplicidade de visões de mundo e suas relações sociais. No entanto, há profissionais da educação que dizem abertamente: “não sou político” e/ou “não faço política”. Com isso, no contexto atual, embora a escola de EJA encontre muitas limitações para propor novas políticas e/ou adaptá-las, para que atendam (melhor) sua especificidade, faz-se necessário que os profissionais assumam suas perspectivas ético-políticas, principalmente os que agem na contra hegemonia dos processos políticos antidialógicos e antidemocráticos.
  10. A vida acima do lucro: a hegemonia do modo de produção capitalista impõe que tudo se transforme em mercadorias/serviços produtivos ao capital, inclusive a formação escolar entra nessa “esteira produtiva”, para atender as necessidades do mercado, que pressupõe a classe dominante extraindo mais valor o tempo todo, no sentido de acumular cada vez mais riquezas. O docente da EJA precisa externar seu ponto de vista, doa a quem doer, reconhecendo outros pontos de vista, e possibilitar boas sínteses (dialética), preferencialmente de forma coletiva.

Talvez esse seja meu último texto atuando na EJA, desde 1998, pois, até o presente momento (10/01/2022), fui injustamente retirado da escola (de EJA) onde atuava, em razão dos posicionamentos políticos em defesa das lições acima citadas. Aproveito esse pequeno texto para agradecer as centenas de pessoas que nos enviaram manifestações de solidariedade (de classe), bem como as entidades: Frente contra o Ensino Remoto/EaD na Educação Básica/Ensino Superior, Coletivo Educação & Insubmissão – Extensão da UFRJ, Fórum EJA Rio, Museu da Vida – Fiocruz, Projeto de extensão – Universidade e Escola: trocas de saberes e práticas – UFRJ, Grupo de estudos em educação ambiental crítica e pedagogia histórico-crítica na escola pública: formação docente e práticas pedagógicas – UERJ e Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do RJ – SEPE/RJ. Essa luta continua e é de todos/as!

[1] Mestre em Educação Profissional em Saúde, Professor de Ciências/Biologia. www.roberto.bio.br

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MOÇÃO DE APOIO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL E REPÚDIO À CENSURA NO CHÃO DAS ESCOLAS DE EJA

O V EREJA- Sudeste Aprova Moção de apoio aos JORNAIS ESTUDANTIS ou qualquer movimento político de organização estudantil da EJA que defenda a pauta dos Fóruns EJAs, que não passe pelo controle de professores(as) e/ou direção das escolas. A presente moção visa apoiar o protagonismo estudantil em suas diversas ações em defesa do Estado Democrático de Direito. Sabemos perfeitamente que somente exercitando a tarefa de pensar criticamente sobre a realidade que vivemos, com todas as suas contradições, é que a classe trabalhadora poderá experimentar, de forma autoral, contextual, inclusiva e crítica, a ação revolucionária, sentindo-se então compelida a uma iniciativa de que ela própria é o sujeito da mudança. Produzir análises de conjuntura sobre a realidade concreta é, portanto, um exercício indispensável para que seja possível emancipar os sujeitos (um dos objetivos da EJA). É preciso estimular o diálogo constante, a participação democrática ativa, não verticalizada, e assim aprender com eles/elas, na busca de soluções coletivas / inéditos viáveis, que coloque em prática este exercício tão importante do aprendizado revolucionário e da emancipação humana que emerge no chão das escolas de EJA.

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JORNAL ESCOLAR: em defesa do protagonismo estudantil

“Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem.”                          (Rosa Luxemburgo)

 

Queridos/as estudantes da EJA,

A ideia de um jornal dos/as estudantes é a construção cidadã e ética do “protagonismo estudantil”, o que significa um espaço de liberdade para expor suas próprias esperanças, motivações, inquietações, satisfações e insatisfações. Tal ideia, sem orientações externas, filtros, controles ou censuras, encontra respaldo em várias literaturas especializadas (alguns referenciais teóricos):

Pedagogia Libertadora

Como ensinava nosso saudoso patrono Paulo Freire, uma educação só é libertadora quando comprometida com os interesses dos oprimidos, para além da libertação do olhar para sua própria condição de opressão. É, pois, na relação entre a situação-limite e a possibilidade real de mudança (inédito-viável), que é tão importante a tomada de consciência do poder de leitura, escrita e publicação dos entendimentos que foram discutidos:

“A ideologia fatalista, imobilizante, (…) anda solta no mundo. (…) Frases como ‘a realidade é assim mesmo, que podemos fazer? ’ ou ‘ o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do século’ expressam bem o fatalismo desta ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora. Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O de que se precisa, por isso mesmo, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência. O livro com que volto aos leitores é um decisivo não a esta ideologia que nos amesquinha como gente.” (Pedagogia da Autonomia, 1996, ‘Primeiras Palavras’). (Grifo nosso)[1]

Educação Popular

Quatro características da Educação Popular latino-americana:

  1. A Educação Popular propõe uma teoria renovadora de relações homem-sociedade-cultura-educação e uma pedagogia que pretende fundar, a partir das relações, uma educação libertadora.
  2. A Educação Popular realiza-se inicialmente no domínio específico da educação de adultos das classes populares, definindo-se, aos poucos, como um trabalho político de libertação popular e de conscientização dos movimentos populares.
  3. A Educação Popular afasta-se de ser apenas uma atividade de escolarização popular para ser toda e qualquer prática sistemática de intercâmbio de saber, partindo das próprias práticas sociais populares.
  4. A Educação Popular é um trabalho político de mediação a serviço de projetos, sujeitos e movimentos populares de classe, visando à construção de uma hegemonia no interior da sociedade capitalista dependente. (MOTA NETO, 2016, p. 118)[2].

Educação para a Comunicação

Destacam-se as contribuições de Célestin Freinet, para um “jornal escolar”, considerando os estudantes como produtores de conteúdo, e não como meros receptores.

“Como o padrão de qualidade da escrita é determinado pelas classes hegemônicas [quem manda], o discurso de oprimidas e oprimidos raramente é bom o bastante para se fazer palavra escrita, impressa, permanente.” (p.158)

“Fazer o jornal [dos estudantes], então, não é apenas escrever: é protestar, defender, criticar, se envolver, se desacomodar, romper com a ordem estabelecida. É, enfim, utilizar a comunicação como estratégia de luta popular.” (p. 219)

“Ao analisar um jornal produzido em uma escola estadual do interior de São Paulo por alunos do Ensino Médio, Cunha (2009) chama a atenção que, incentivados a refletir, os alunos passaram a questionar certas normas da própria escola. […] ao lerem a realidade e se proporem a escrever o jornal, os educando se reconheceram como sujeitos que não existiam apenas para seguir prescrições.” (p. 230)[3]

Pedagogia Histórico-Crítica

“a educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social. A prática social põe-se, portanto, como ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa.” (SAVIANI, 2007, p. 420)[4]

Educação para Democracia

“Democracia é um conhecimento que demanda engajamento do aluno na sociedade – discussão de temas controversos, participação em atividades reais ou simuladas, análise crítica da experiência -, até porque “a tarefa da democracia será sempre a criação de uma experiência mais livre e mais humana, na qual todos participemos e para a qual todos contribuamos” (Dewey, 1939)”[5].

“Um sentido claro e convincente de que as coisas precisam mudar motiva e sustenta o compromisso em participar”[6]

Constituição / Governo Federal

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Constituição Federal de 1988, Art. 5º, inciso IV).

Ainda que não concordemos com a política privatista da BNCC, até ela mesma aponta que:

“O jornal escolar é também uma ferramenta pedagógica para o trabalho inter e transdisciplinar, por ser um espaço no qual se apresenta o debate de temas relacionados às experiências dos alunos e os conteúdos curriculares podem ser explorados, enriquecendo a participação dos alunos e contribuindo para uma escola conectada ao ambiente. […] Esse tipo de iniciativa deve estar incorporado ao Projeto Político-Pedagógico da escola. Não deve significar uma iniciativa isolada, mas estar inserido no currículo e na política educacional, sendo assumido por todo o corpo docente e pela equipe diretiva.[7]

 

O aprendizado que fica, com a experiência de escrita de um texto jornalístico crítico, é a necessidade de um diálogo constante, antes, durante e depois dos possíveis conflitos, no sentido de buscar soluções coletivas e aprender com elas. Nunca permitam que qualquer pessoa tente direcionar ou calar suas vozes e/ou percepções de como intervir no mundo. Há quem respeite a autonomia e a opinião dos/as estudantes e valorize a sua auto-organização, na desafiadora tarefa de construir conhecimentos que julguem necessários, independente dos currículos oferecidos pelas escolas públicas brasileiras. NUNCA PERMITAM QUE SUBESTIMEM VOCÊS, DIZENDO QUE ESTÃO SENDO INDUZIDOS(AS) E/OU MANIPULADOS(AS). VOCÊS POSSUEM CAPACIDADE DE PENSAMENTO CRÍTICO, QUE VEM SENDO APRIMORADA NA EJA.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2021.

 

Roberto Eduardo Albino Brandão

Flavia Maia Cerqueira Rodrigues

Taissa Rochax

Claudia Cerqueira Lopes

 

[1] Extraído do documento oficial da SME/Rio de Janeiro: Educação de Jovens e Adultos – Orientações Curriculares, de 2010.

[2] Extraído do livro: Por uma Pedagogia decolonial na América Latina: Reflexões em torno do pensamento de Paulo Freire e Orlando Fals Borda; João Colares da Mota Neto. Curitiba: CRV, 2016.

[3] Tese de doutorado: O jornal escolar para a formação de consciência crítica à luz de Paulo Freire: a expressão da palavra silenciada para materializar o diálogo autônomo e libertador, de Rafaela Bortolin Pinheiro, PUCPR, Curitiba, 2017.

[4] Extraído do livro: SAVIANI, D. As pedagogias contra-hegemônicas. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: São Paulo. Autores Associados, 2007.

[5] Rildo Cosson. LETRAMENTO POLÍTICO: TRILHAS ABERTAS EM UM CAMPO MINADO. E-Legis, n.07, p. 49-58, 2º semestre 2011

[6] KAHNE, Joseph;WESTHEIMER, Joel. Teaching democracy: what schools need to do. Phi Delta Kappan, v. 85, n.1, p. 34-66, set. 2003.

[7] Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/ensino-fundamental-anos-finais/177-jornal-escolar-escrita-significativa-e-formacao-cidada-2

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