CONFLITO DAS AVES: FÁBULA DE UM MUNDO REAL

por Roberto Eduardo Albino Brandão

Fonte da imagem: https://ebird.org/species/sibcra1?siteLanguage=pt_BR

Era uma vez 3 espécies de aves, que competiam por recursos e poder: A águia-americana (predador oportunista, seu alimento principal é peixe), o estorninho (ave pequena, intimida e expulsa outras aves de seus ninhos, levando ao declínio de espécies nativas, é onívora), e o grou-siberiano (ave de aparência majestosa, com plumagem branca e longo bico vermelho, seu alimento principal é peixe).

Nessa história, a Otan (Organização do Tratado da Avifauna Norte) foi criada pelas águias-americanas, junto com vários estorninhos, para combater (com força bélica) o modo de vida (e de pescar) dos grous-siberianos. Naquela época, os grous-siberianos pescavam e se alimentavam segundo suas próprias necessidades, período conhecido como URGS (União das Repúblicas dos Grous-Siberianos). Ao contrário, para viver o sonho das águias-americanas, elas sempre exploraram os estorninhos (e outras aves) para pescarem os maiores (em tamanho e quantidade) e melhores peixes possíveis. Posteriormente, com a dissolução da URGS, os grous-siberianos passaram também a explorar os estorninhos, e a Otan perdeu o sentido de sua existência. Apesar disso, as águias-americanas, seguindo a sua tradição de imposição de força e de ideologia, sobre os obedientes estorninhos, decidiram expandir a Otan por todos os biomas ao redor do habitat dos grous-siberianos, cercando-os. Quando um grupo de estorninhos, mais próximos dos grous-siberianos, ameaça fazer parte da Otan, os grous-siberianos invadem o território dos estorninhos, como medida preventiva, para garantir a sobrevivência/soberania dos grous-siberianos.

E o mundo (das aves) se pergunta, por que a guerra? Qual sua origem? Quem começou a guerra? Quais desdobramentos futuros? Quaisquer respostas, que se proponham a ir à essência e não na simples aparência, passa pela história da ornitologia (estudo das aves). Entre tantos pássaros, de poder e riqueza variados, a guerra é apenas um elemento (dos mais traumáticos e visíveis) desse conflito histórico entre 2 modos de viver: desigual/meritocrático/competitivo e outro igualitário/sem classe social/colaborativo. Nessa polarização, até mesmo o 01 das ararajubas (outra espécie de ave pequena, que vive ao sul, cujo nome em tupi significa “papagaio amarelo”), que não tinha nada a ver com a Otan, historicamente subserviente as águias-americanas, e combatente à antiga URGS, ao declarar “somos solidários aos grous-siberianos”, cria um incidente diplomático e confunde a opinião de governo com posição de Estado. Tal contradição nos exige, para além da reflexão ético-responsável, posição política frente a luta de classes, que se expressa em cada jovem ararajuba (preto e pobre) morto nas favelas cariocas, fortemente relacionada a conjuntura imperialista internacional. Entre águias/estorninhos, grous e pseudoararajubas (que prestam continência para as águias), Mario Quintana diria: “Eles passarão…Eu passarinho!”

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

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ENTRE OS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS NA ESCOLA PÚBLICA DE MASSA: DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ?

por Roberto Eduardo Albino Brandão[1]

Fonte: https://spbancarios.com.br/charge/03/2019/escola-publica

 

A matéria de ontem (19/02/2022), no jornal O Globo, intitulada: Debandada no MEC: 11 servidores entregam cargos e citam defesa do ‘interesse público sobre o privado’[2], é bastante significativa para pensarmos o contexto das nossas escolas públicas de massa, especialmente na educação de jovens e adultos – EJA. Me refiro as “de massa”, para diferenciar das outras escolas públicas que utilizam algum tipo de seleção de alunos, inclusive através de “sorteios” de vagas. Portanto, me refiro a escola que aceita todos/as e atualmente não possui “fila de espera” de vagas, onde é possível perceber que “[…] a evasão escolar e a redução do número de matrículas na EJA são dois pregos nos olhos da classe trabalhadora[3], e cuja explicitação do comprometimento ético-político dos profissionais da educação torna-se cada vez mais necessária e urgente.

Em tempos de mídias sociais, é fácil “falar para” a massa de trabalhadores, o difícil é ser “escutado atentamente” por ela, sobretudo quando a narrativa procura ir à essência e não a simples aparência. Mais difícil ainda, é “refletir com” a massa (coletivamente). Nesse sentido, alguns trabalhadores, principalmente os identificados com a perspectiva ideológica marxista/socialista, já vinham alertando sobre a atuação/influência de organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, ONU, OEA, etc.), bem como organizações ditas “sociais”, financiadas por recursos privados (e/ou parcerias público-privadas), “sem fins lucrativos” (para efeitos jurídicos), muitas associadas a bancos privados (Bradesco, Santander, Itaú, etc.) e/ou a megaempresários/milionários (Roberto Marinho, Ayrton Senna, Paulo Lemann, Abílio Diniz, etc.), “ajudando” governos em políticas públicas que seguem a lógica neoliberal de educação. Assim, pesquisadores/as apontam que:

O Estado se desresponsabilizou diretamente também pela educação infantil e pela educação de jovens e adultos, estimulando a sua expansão por meio de políticas de parceria. […] O caráter mais imediatamente interessado das ações educacionais neoliberais materializou-se nas políticas públicas direcionadas à melhoria da qualidade de ensino, entre as quais merecem destaque: o treinamento de dirigentes escolares, metamorfoseados em gerentes; a redefinição da política de formação de professores de todos os níveis de ensino; a definição das diretrizes e dos parâmetros curriculares nacionais; as diretrizes para elaboração dos projetos político-pedagógicos das escolas e os mecanismos de avaliação do desempenho escolar, das instituições de ensino e do corpo docente. (NEVES & PRONKO, 2008, p.66-67)[4]

No contexto atual, no chão das escolas públicas de massa, não é raro aplaudirem vídeos/ideias, propaladas por tais entidades, como a meritocracia e o empreendedorismo, por exemplo, exaltando um modelo de educação voltado aos interesses mercantis (da classe dominante), como se o “mercado” fosse uma força suprema capaz de garantir justiça social, ainda que para os mais “esforçados”. Por outro lado, reforçando essa mesma lógica neoliberal, observa-se a passividade em cada canto dessa escola pública. Na prática, professores calados, inertes a qualquer ação coletiva de forma crítica, frente as contradições do modo de produção capitalista, reforçado por narrativas hedonistas, dizem muito da função social da escola hoje. Esse “mudismo” se reflete na ausência de assembleias envolvendo toda comunidade escolar e/ou elaboração coletiva do projeto político pedagógico, no ambiente antidialógico travestido de centro de estudos/reunião pedagógica, bem como tudo isso é “ensinado” aos estudantes, através da nova pedagogia da hegemonia, onde:

O Estado, não sem tensões e contradições, vem intensificando, com todos os instrumentos legais e ideológicos a seu dispor, o seu papel de educador, ou seja, de instrumento de conformação cognitiva e comportamental do brasileiro ao projeto de sociabilidade burguesa implementado pelos governos anteriores. (NEVES, 2005, p.95)[5]

Nesse caminho, para o fosso da conciliação de classes/apaziguamento da luta de classes, encontramos gestores (trabalhadores com cargos de confiança) cumprindo fielmente os ditames da sociedade do consumo/excludente (educação como mercadoria), sem qualquer visão crítica dessa realidade, negação da política no ambiente escolar, formação de professores (em serviço) desalinhada com as necessidades/prioridades de cada escola, organizações sindicais com pouco fôlego para o trabalho de base, baixo protagonismo estudantil na EJA, etc. E, até mesmo, quando conseguimos uma pequena organização estudantil atuante na contra hegemonia, que se inicia com um jornal dos estudantes e egressos, os próprios profissionais (trabalhadores) da educação conseguem sufocar (violentamente) a liberdade de expressão, a criticidade, e pôr fim a única forma de participação social não institucionalizada dos estudantes na escola.

Vivemos tempos difíceis. Tempos que precisamos registrar e avançar na luta coletiva anticapitalista. Como situações extremas exigem medidas extremas, não importa se “o rei está nu”, o que importa mesmo, antes de destituir o rei e instaurar o poder popular, é dizer em alto e bom tom que não concordamos com a opressão do rei em cima dos trabalhadores, ainda que essa decisão resulte em prejuízo individual. Portanto, parabenizo a ação política (admirável) de servidores públicos conscientes, que não compactuam com os interesses privados na educação, e me coloco ao lado desses/as, na luta histórica em favor do serviço público e da classe trabalhadora, e contra a acumulação de riqueza e a propriedade privada da classe dominante. E você, de qual lado está?

[1] www.roberto.bio.br

[2] Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/debandada-no-mec-11-servidores-entregam-cargos-citam-defesa-do-interesse-publico-sobre-privado-25399888

[3] Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/55511a2cf4d33d95bdbad1a06ee08783.PDF

[4] Livro: O Mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado: da formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo / Lúcia M. W. Neves e Marcela A. Pronko. – Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.

[5] Livro: A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso / Lúcia M. W. Neves (Org.). – São Paulo: Xamã, 2005.

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AGRADECIMENTOS E APRENDIZADOS

Caríssimas pessoas preocupadas com a Eja,

 

Agradecemos as centenas de moções/apoios, formais e informais, escritos e verbais, de entidades e pessoas físicas, em relação ao que denominamos PERSEGUIÇÃO POLÍTICA A PROFESSORES E INTIMIDAÇÃO A ESTUDANTES DO PEJA, em especial aos/as estudantes que nos enviaram cartas/mensagens. Ficamos profundamente sensibilizados por tais manifestações de carinho, apreço, reconhecimento do trabalho que realizamos e a fundamental solidariedade de classe.

Em resumo, conseguimos sustar, ainda que provisoriamente, o desejo de impedir a condução do nosso trabalho na escola, através da nulidade do relatório que a direção apresentou, em razão de falha no trâmite administrativo para o término de requisição, conforme alegado por representantes da SME. No entanto, o dossiê, em que sustentamos a perseguição política e intimidação aos estudantes, ainda não foi apreciado em sua totalidade e segue seu trâmite junto a ouvidoria. Esperamos que ele tenha um desfecho coerente com o que foi discutido na reunião com a 3ª CRE.

Ao nos defender da perseguição política que sofremos, bem como das intimidações aos nossos estudantes, refletimos bastante, nesse período em que não gozamos “férias”, acerca do que poderia ter evitado essa situação. Por isso, apontamos como essencial para o trabalho junto a Eja, os seguintes aprendizados:

  1. Sabemos que a eleição direta para diretor de escola, bem como as instâncias (institucionalizadas) de participação social, foram grandes conquistas. Todavia, tais avanços democráticos nas escolas básicas não foram suficientes para garantir as discussões políticas necessárias aos processos civilizatórios mais amplos, tão pouco para subverter a “negação da política” (amplamente difundida em tempos atuais).
  2. Em um salutar ambiente dialógico, entre profissionais de educação, para se fazer uma crítica (consistente), há que argumentar, a partir de algum lastro teórico, e não simplesmente contestar por contestar.
  3. Os/as estudantes, no que se refere ao processo de construção de um jornal “estudantil” (não escolar), demonstraram extrema cautela em suas produções textuais, no sentido do respeito interpessoal e no compromisso ético e verdadeiro.
  4. As atas devem ser a exata expressão do que aconteceu na reunião, portanto devem ser lidas, corrigidas e assinadas no mesmo dia, preferencialmente em meio eletrônico (para facilitar o trabalho do relator).
  5. As “atas” dos CE devem seguir uma lógica de relatoria que contemple mais o processo ensino-aprendizagem. Devem conter a síntese dos aprendizados efetivamente discutidos. Não precisam ser assinadas, mas devem ser aprovadas no CE seguinte, cujo tempo de maturação pode ajudar na relação entre teoria e prática. Devem ser disponibilizadas para todos/as, principalmente para os/as que não participaram do CE.
  6. A direção da U.E., ou quem esteja coordenando a reunião, deve ficar atenta ao perceber que algum participante está calado, deve sempre perguntar a esse colega a sua opinião frente ao assunto em pauta, na tentativa de agregá-lo as discussões ou entender (e tentar resolver) o motivo de sua “ausência” nas discussões, promovendo o devido registro sistemático em ata. Nesse sentido, tão importante quanto garantir a fala dos participantes, na ordem de inscrição, sem interrupções, deve também interromper a fala/reunião até que todos/as estejam realmente exercendo a devida escuta atenta. Ninguém deve atender o celular (ou passar mensagens), no momento da reunião, dentro da sala, principalmente quem estiver coordenando a reunião.
  7. Apoio incondicional ao movimento estudantil do Peja, independente da matriz ideológica, bem como não tratar de “crime/judicialização” no ambiente escolar.
  8. Não confundir projeto político pedagógico (PPP) com projeto pedagógico anual (PPA).
  9. A semelhança dos instrumentos administrativos que estabelecem critérios/orientações para Professor Orientador e Professores do Peja, a SME poderia também formalizar algumas atribuições para as direções das U.E. (Diretor Geral, Diretor Adjunto e Coordenador Pedagógico) no Peja, tais como:
    1. Envidar esforços em articular o Peja ao PPP da escola, ciente de que essa modalidade exige que tenhamos uma visão crítica da sociedade e dos processos de exclusão gerados pela desigualdade social;
    2. Garantir a participação plena da comunidade escolar, inclusive dos alunos jovens, adultos e idosos, em reuniões/assembleias, buscando a inserção do Peja no PPP da escola, em todas as suas etapas: metodologia, elaboração, implementação e avaliação;
    3. Estimular a participação ativa de representante(s) da Unidade Escolar – U.E. em reuniões de formação agendadas pela E/SUBE/CRE e/ou E/SUBE/GEJA, relacionadas ao Peja;
    4. Garantir espaço para avaliação (coletiva) do trabalho realizado no Peja da U.E., ao longo do ano letivo, onde professores e direção da U.E. tenham condições de sinalizar aspectos que porventura não estejam em concordância com os documentos norteadores do Peja. Compreendendo que o resultado desse trabalho é de responsabilidade de todos, portanto o aluno não será o único a ser avaliado, mas todos os profissionais envolvidos. As reuniões para avaliação deverão ser registradas em ata;
    5. Promover uma melhor articulação entre o trabalho dos professores do Peja I com os do Peja II, bem como dos professores de Artes, Educação Física e Língua Estrangeira com as demais disciplinas, de modo a constituir-se uma única equipe do Peja, buscando um trabalho cooperativo e solidário;
    6. Apoiar iniciativas que dizem respeito ao protagonismo estudantil, como manifestações culturais ou organizativas (Grêmio Estudantil, Jornal Estudantil, Clubes de Ciências/Leitura, etc.);
    7. Se fazer presente, ainda que não fisicamente, nos horários e atividades que envolvem o fluxo dos alunos do Peja, durante as atividades escolares coletivas, bem como dos momentos de estudo dos professores, dentro da U.E. Ciente da necessária disponibilidade para o diálogo e à reflexão em todas as situações referentes ao trabalho no Peja;
    8. Ter ciência que sua função é eminentemente de gestão (democrática), com forte impacto nas questões pedagógicas que envolvem o Peja;
    9. Buscar articular parcerias com outras instituições sociais, de modo a favorecer um desenvolvimento integral desse aluno, seja em termos de atividades culturais e/ou de saúde;
    10. Coordenar assembleias periódicas com os alunos sobre o funcionamento do PEJA, avaliação, propostas e compromissos, para um melhor desenvolvimento do trabalho;
    11. Buscar intercâmbio com a equipe da GED/CRE e da GEJA/SME, em relação às demandas de trabalho com os professores e/ou alunos do PEJA, como por exemplo, na organização de palestras, seminários, oficinas, exposições de trabalhos para professores e/ou alunos;
    12. Participar do esforço coletivo de busca ativa de alunos, procurando mecanismos para aumentar o número de matrículas e diminuir a evasão escolar.

Para todos/as que sofrem algum tipo de perseguição política no ambiente escolar, seja por conta de um cartaz, apoio a um jornal estudantil, e/ou simplesmente ter uma visão de mundo diferente da maioria, esperamos que 2022 seja um ano letivo repleto de boas reflexões coletivas, mas sobretudo de gestão democrática comprometida com a participação política de jovens, adultos e idosos. Continuaremos atentos/as e repetindo o velho dito: “TRABALHADORES DO MUNDO, UNI-VOS!”.

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10 LIÇÕES QUE DEVERIAM FAZER PARTE DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

por Roberto Eduardo Albino Brandão[1]

  1. A EJA (educação de jovens e adultos) como modalidade de educação que resgata direitos e sua militância política: ter consciência de que, no Brasil, a EJA sempre foi destinada aos subalternizados dessa sociedade, que permanece e amplia sua capacidade de exclusão e geração de desigualdades. Mas saber disso não é suficiente para contrapor aos que entendem a EJA como “gasto” e não como investimento e/ou resgate de direitos. É preciso esforço de mobilização coletiva, para agir na transformação da realidade, em favor das classes populares. Ou seja, é fundamental participar da militância política na EJA, especialmente o movimento Fórum EJA.
  2. A luta constante, por democracia nas escolas, é árdua, porém fundamental – não adianta proibir, tem que discutir: sabe-se que a escola democrática não persegue politicamente professores, por seu pensamento divergente ou por sua base epistemológica, tão pouco intimida estudantes em seu livre exercício de pensar e/ou comunicar, ao contrário, incorpora tais elementos em seu fazer pedagógico, no sentido de criar unidade na diversidade. Os avanços democráticos nas escolas básicas, como a eleição direta para diretor de escola, s.m.j., não foram suficientes para introduzir discussões políticas mais amplas (processos civilizatórios), tão pouco para inviabilizar os discursos que criminalizam docentes e discentes em razão de determinados posicionamentos políticos. Assim, a eleição direta para direção de escola, por exemplo, se constituiu em “verniz” de democracia, onde os detalhes/fundamentações dos “planos de gestão” não são discutidos com a comunidade escolar, quiçá construídos coletivamente com os estudantes. Faltam espaços para o exercício verdadeiramente democrático e/ou formação para cidadania autêntica, ou seja, onde não se excluam segmentos, onde a metodologia e a pauta do que será discutido sejam construídos, desde o início, com seus integrantes/participantes, onde o cargo eletivo represente de fato os interesses dos eleitores, em estreita articulação do trabalho da escola com a democratização da sociedade.
  3. Na luta política, em favor da classe trabalhadora, encontramos trabalhadores que vestem a camisa da classe dominante: isso se torna evidente quando a política pública (educacional) é executada no chão das escolas, através de micropoderes, sem qualquer possibilidade de diálogo com o público envolvido, no sentido do “tem que fazer”, “são ordens e temos que cumprir” ou, ainda, “eu não concordo, mas tem que…”. No setor privado, o público da EJA enfrenta as mesmas dificuldades, que são elementos constitutivos de um currículo que deveria estar presente em todas as disciplinas, sendo capaz de gerar reflexões sobre a estrutura social vigente (hierarquizada) e sua forma de superação. Percebe-se o fiel cumprimento aos ditames da ordem opressora/dominante, por exemplo, na defesa de cursos profissionalizantes, de baixa exigência intelectual, voltados para o mercado/empreendedorismo, para o público da EJA, pressupondo um caráter compensatório e assistencialista. Não se trata, porém, de apenas criticar tal perspectiva pedagógica-hegemônica. É preciso perceber as relações econômicas, em todas as suas dimensões, bem como os privilégios, entendendo as contradições do mundo do trabalho, para assumir a perspectiva de classe em si, através do movimento coletivo (ampliado) de “reflexão-ação-reflexão”.
  4. Jornal estudantil como instrumento de organização dos estudantes-trabalhadores: A baixa autoestima, a dificuldade de se expressar/comunicar (em linguagem formal e letramento digital), o medo de fazer crítica, e o comodismo, por parte dos estudantes jovens, adultos e idosos, apresentam-se como desafios aos docentes que trabalham na EJA, em uma perspectiva crítica-não reprodutivista. No entanto, o próprio medo dos profissionais da educação básica em subverter a lógica antidialógica e antidemocrática, dentro das escolas, se reproduz e vai sendo transmitido aos estudantes de duas formas. A primeira é o mudismo, onde os profissionais se calam, evitando qualquer manifestação política dentro dos espaços escolares, constituindo um currículo oculto de desesperança e sofrimento psíquico. A segunda é a ação direta sob os estudantes, no sentido da intimidação, da humilhação e/ou da criminalização do movimento estudantil autônomo e crítico. Assim, um jornal que traga essas vozes (silenciadas e/ou invisibilizadas), sem censura e/ou controle por parte dos docentes, é uma experiência rica em possibilidades de diálogo/democracia no espaço escolar. Não se pode menosprezar a iniciativa de um jornal estudantil, quando estudantes tomam consciência de seu real potencial transformador.
  5. A escola unitária e o compromisso principal com o público (jovens, adultos e idosos): ideal de formação humana, a escola unitária leva em conta a “elaboração unitária de uma consciência coletiva”, capaz de romper com a estrutura social que permite a coexistência de escolas de ricos/governantes/opressores e escolas de pobres/governados/oprimidos. O profissional que trabalha na EJA, além de defender a universalização efetiva da escola e a educação unificada, deve apresentar uma relação afetiva e de interesse por esses educandos.
  6. A Pedagogia Histórico Crítica (PHC) a serviço da superação da sociedade de classes: considera-se que o Homem produz sua própria história, dentro da confluência de forças na luta de classes, na concretude do modo de produção capitalista.
  7. Não abrir mão dos momentos de estudo, a partir da realidade de cada escola: não se pode abrir mão das conquistas historicamente adquiridas, e uma delas é a formação continuada em serviço na EJA. Trata-se de um momento próprio reservado a reflexão coletiva, portanto aos desafios que o coletivo de professores julga importantes. Além disso, há uma diversidade de concepções teórico-metodológicas que perpassam a EJA, algumas inclusive conflitam entre si. O conflito ou a discordância nasce da ausência de um amadurecimento das reflexões teóricas profundas/radicais, e, portando, da desvalorização dos momentos de estudo, que irá repercutir negativamente nas ações e planejamentos pedagógicos. É claro que, quanto mais curioso, quanto maior for o prazer em estudar, quanto maior o interesse em se manter atualizado em relação à sua área de atuação, mais eficiente será a co-laboração desse profissional em produzir coletivamente/qualitativamente novos conhecimentos sobre o trabalho na EJA.
  8. PPP (projeto político pedagógico) construído “com a EJA” e não “para a EJA”: além de ser uma obrigação legal, o PPP de uma escola, principalmente em tempos de intolerância religiosa, negacionismo e pseudoneutralidade política, é o único instrumento que, em estabelecer diretrizes básicas de organização e funcionamento do trabalho escolar, deve ser fruto do saber, do querer e do fazer de todos/as. Em linhas gerais, tendo em vista que esse processo é demorado e envolve uma escuta atenta de todos/as, inclusive no que se refere a EJA, através de metodologia que garanta isonomia nessa participação plena, as escolas adiam ao máximo a elaboração do PPP ou investem em projetos pedagógicos anuais temáticos, confundindo-os com PPP.
  9. Quem não pensa politicamente a EJA está condenado a servidão do projeto político neoliberal: sabe-se que a escola pública cumpre sua função social, inclusive, quando profissionais criticam e apresentam alternativas a política educacional vigente, seja através de um cartaz, ou apoio a um jornal estudantil, ou simplesmente explicita uma determinada visão de mundo, que faz parte da liberdade de manifestação política. Não se trata de defender partido político A ou B, e sim da multiplicidade de visões de mundo e suas relações sociais. No entanto, há profissionais da educação que dizem abertamente: “não sou político” e/ou “não faço política”. Com isso, no contexto atual, embora a escola de EJA encontre muitas limitações para propor novas políticas e/ou adaptá-las, para que atendam (melhor) sua especificidade, faz-se necessário que os profissionais assumam suas perspectivas ético-políticas, principalmente os que agem na contra hegemonia dos processos políticos antidialógicos e antidemocráticos.
  10. A vida acima do lucro: a hegemonia do modo de produção capitalista impõe que tudo se transforme em mercadorias/serviços produtivos ao capital, inclusive a formação escolar entra nessa “esteira produtiva”, para atender as necessidades do mercado, que pressupõe a classe dominante extraindo mais valor o tempo todo, no sentido de acumular cada vez mais riquezas. O docente da EJA precisa externar seu ponto de vista, doa a quem doer, reconhecendo outros pontos de vista, e possibilitar boas sínteses (dialética), preferencialmente de forma coletiva.

Talvez esse seja meu último texto atuando na EJA, desde 1998, pois, até o presente momento (10/01/2022), fui injustamente retirado da escola (de EJA) onde atuava, em razão dos posicionamentos políticos em defesa das lições acima citadas. Aproveito esse pequeno texto para agradecer as centenas de pessoas que nos enviaram manifestações de solidariedade (de classe), bem como as entidades: Frente contra o Ensino Remoto/EaD na Educação Básica/Ensino Superior, Coletivo Educação & Insubmissão – Extensão da UFRJ, Fórum EJA Rio, Museu da Vida – Fiocruz, Projeto de extensão – Universidade e Escola: trocas de saberes e práticas – UFRJ, Grupo de estudos em educação ambiental crítica e pedagogia histórico-crítica na escola pública: formação docente e práticas pedagógicas – UERJ e Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do RJ – SEPE/RJ. Essa luta continua e é de todos/as!

[1] Mestre em Educação Profissional em Saúde, Professor de Ciências/Biologia. www.roberto.bio.br

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MOÇÃO DE APOIO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL E REPÚDIO À CENSURA NO CHÃO DAS ESCOLAS DE EJA

O V EREJA- Sudeste Aprova Moção de apoio aos JORNAIS ESTUDANTIS ou qualquer movimento político de organização estudantil da EJA que defenda a pauta dos Fóruns EJAs, que não passe pelo controle de professores(as) e/ou direção das escolas. A presente moção visa apoiar o protagonismo estudantil em suas diversas ações em defesa do Estado Democrático de Direito. Sabemos perfeitamente que somente exercitando a tarefa de pensar criticamente sobre a realidade que vivemos, com todas as suas contradições, é que a classe trabalhadora poderá experimentar, de forma autoral, contextual, inclusiva e crítica, a ação revolucionária, sentindo-se então compelida a uma iniciativa de que ela própria é o sujeito da mudança. Produzir análises de conjuntura sobre a realidade concreta é, portanto, um exercício indispensável para que seja possível emancipar os sujeitos (um dos objetivos da EJA). É preciso estimular o diálogo constante, a participação democrática ativa, não verticalizada, e assim aprender com eles/elas, na busca de soluções coletivas / inéditos viáveis, que coloque em prática este exercício tão importante do aprendizado revolucionário e da emancipação humana que emerge no chão das escolas de EJA.

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JORNAL ESCOLAR: em defesa do protagonismo estudantil

“Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem.”                          (Rosa Luxemburgo)

 

Queridos/as estudantes da EJA,

A ideia de um jornal dos/as estudantes é a construção cidadã e ética do “protagonismo estudantil”, o que significa um espaço de liberdade para expor suas próprias esperanças, motivações, inquietações, satisfações e insatisfações. Tal ideia, sem orientações externas, filtros, controles ou censuras, encontra respaldo em várias literaturas especializadas (alguns referenciais teóricos):

Pedagogia Libertadora

Como ensinava nosso saudoso patrono Paulo Freire, uma educação só é libertadora quando comprometida com os interesses dos oprimidos, para além da libertação do olhar para sua própria condição de opressão. É, pois, na relação entre a situação-limite e a possibilidade real de mudança (inédito-viável), que é tão importante a tomada de consciência do poder de leitura, escrita e publicação dos entendimentos que foram discutidos:

“A ideologia fatalista, imobilizante, (…) anda solta no mundo. (…) Frases como ‘a realidade é assim mesmo, que podemos fazer? ’ ou ‘ o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do século’ expressam bem o fatalismo desta ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora. Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O de que se precisa, por isso mesmo, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência. O livro com que volto aos leitores é um decisivo não a esta ideologia que nos amesquinha como gente.” (Pedagogia da Autonomia, 1996, ‘Primeiras Palavras’). (Grifo nosso)[1]

Educação Popular

Quatro características da Educação Popular latino-americana:

  1. A Educação Popular propõe uma teoria renovadora de relações homem-sociedade-cultura-educação e uma pedagogia que pretende fundar, a partir das relações, uma educação libertadora.
  2. A Educação Popular realiza-se inicialmente no domínio específico da educação de adultos das classes populares, definindo-se, aos poucos, como um trabalho político de libertação popular e de conscientização dos movimentos populares.
  3. A Educação Popular afasta-se de ser apenas uma atividade de escolarização popular para ser toda e qualquer prática sistemática de intercâmbio de saber, partindo das próprias práticas sociais populares.
  4. A Educação Popular é um trabalho político de mediação a serviço de projetos, sujeitos e movimentos populares de classe, visando à construção de uma hegemonia no interior da sociedade capitalista dependente. (MOTA NETO, 2016, p. 118)[2].

Educação para a Comunicação

Destacam-se as contribuições de Célestin Freinet, para um “jornal escolar”, considerando os estudantes como produtores de conteúdo, e não como meros receptores.

“Como o padrão de qualidade da escrita é determinado pelas classes hegemônicas [quem manda], o discurso de oprimidas e oprimidos raramente é bom o bastante para se fazer palavra escrita, impressa, permanente.” (p.158)

“Fazer o jornal [dos estudantes], então, não é apenas escrever: é protestar, defender, criticar, se envolver, se desacomodar, romper com a ordem estabelecida. É, enfim, utilizar a comunicação como estratégia de luta popular.” (p. 219)

“Ao analisar um jornal produzido em uma escola estadual do interior de São Paulo por alunos do Ensino Médio, Cunha (2009) chama a atenção que, incentivados a refletir, os alunos passaram a questionar certas normas da própria escola. […] ao lerem a realidade e se proporem a escrever o jornal, os educando se reconheceram como sujeitos que não existiam apenas para seguir prescrições.” (p. 230)[3]

Pedagogia Histórico-Crítica

“a educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social. A prática social põe-se, portanto, como ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa.” (SAVIANI, 2007, p. 420)[4]

Educação para Democracia

“Democracia é um conhecimento que demanda engajamento do aluno na sociedade – discussão de temas controversos, participação em atividades reais ou simuladas, análise crítica da experiência -, até porque “a tarefa da democracia será sempre a criação de uma experiência mais livre e mais humana, na qual todos participemos e para a qual todos contribuamos” (Dewey, 1939)”[5].

“Um sentido claro e convincente de que as coisas precisam mudar motiva e sustenta o compromisso em participar”[6]

Constituição / Governo Federal

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Constituição Federal de 1988, Art. 5º, inciso IV).

Ainda que não concordemos com a política privatista da BNCC, até ela mesma aponta que:

“O jornal escolar é também uma ferramenta pedagógica para o trabalho inter e transdisciplinar, por ser um espaço no qual se apresenta o debate de temas relacionados às experiências dos alunos e os conteúdos curriculares podem ser explorados, enriquecendo a participação dos alunos e contribuindo para uma escola conectada ao ambiente. […] Esse tipo de iniciativa deve estar incorporado ao Projeto Político-Pedagógico da escola. Não deve significar uma iniciativa isolada, mas estar inserido no currículo e na política educacional, sendo assumido por todo o corpo docente e pela equipe diretiva.[7]

 

O aprendizado que fica, com a experiência de escrita de um texto jornalístico crítico, é a necessidade de um diálogo constante, antes, durante e depois dos possíveis conflitos, no sentido de buscar soluções coletivas e aprender com elas. Nunca permitam que qualquer pessoa tente direcionar ou calar suas vozes e/ou percepções de como intervir no mundo. Há quem respeite a autonomia e a opinião dos/as estudantes e valorize a sua auto-organização, na desafiadora tarefa de construir conhecimentos que julguem necessários, independente dos currículos oferecidos pelas escolas públicas brasileiras. NUNCA PERMITAM QUE SUBESTIMEM VOCÊS, DIZENDO QUE ESTÃO SENDO INDUZIDOS(AS) E/OU MANIPULADOS(AS). VOCÊS POSSUEM CAPACIDADE DE PENSAMENTO CRÍTICO, QUE VEM SENDO APRIMORADA NA EJA.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2021.

 

Roberto Eduardo Albino Brandão

Flavia Maia Cerqueira Rodrigues

Taissa Rochax

Claudia Cerqueira Lopes

 

[1] Extraído do documento oficial da SME/Rio de Janeiro: Educação de Jovens e Adultos – Orientações Curriculares, de 2010.

[2] Extraído do livro: Por uma Pedagogia decolonial na América Latina: Reflexões em torno do pensamento de Paulo Freire e Orlando Fals Borda; João Colares da Mota Neto. Curitiba: CRV, 2016.

[3] Tese de doutorado: O jornal escolar para a formação de consciência crítica à luz de Paulo Freire: a expressão da palavra silenciada para materializar o diálogo autônomo e libertador, de Rafaela Bortolin Pinheiro, PUCPR, Curitiba, 2017.

[4] Extraído do livro: SAVIANI, D. As pedagogias contra-hegemônicas. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: São Paulo. Autores Associados, 2007.

[5] Rildo Cosson. LETRAMENTO POLÍTICO: TRILHAS ABERTAS EM UM CAMPO MINADO. E-Legis, n.07, p. 49-58, 2º semestre 2011

[6] KAHNE, Joseph;WESTHEIMER, Joel. Teaching democracy: what schools need to do. Phi Delta Kappan, v. 85, n.1, p. 34-66, set. 2003.

[7] Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/ensino-fundamental-anos-finais/177-jornal-escolar-escrita-significativa-e-formacao-cidada-2

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MANUAL DAS CONTRADIÇÕES CAPITALISTAS – Capítulo 1

Como fazer crescer suas redes sociais (e continuar alienado), em 10 cliques:

  1. Tenha Fé: Acredite que um dia o mundo será menos desigual, independente da capacidade de organização da classe trabalhadora. Adquira o hábito de jogar na loteria. Acredite que não vale a pena lutar por esse mundo, pois o apocalipse está próximo;

  2. Não estude: Conhecer as ciências (história, política, economia, sociologia, etc.) é perda de tempo, pois o mundo é assim mesmo e não adianta remar contra a maré. Estudar para que, se os cientistas (que estudam muito) falam que a Terra não é plana e cloroquina não funciona para COVID-19. Leia apenas coisas que te façam feliz;

  3. Faça caridade: fazer caridade, principalmente quando estiver deprimido/a e/ou em datas religiosas, te fará ver que existem pessoas em situação pior do que a sua, sem precisar agir na raiz do problema;

  4. Escreva pouco: seja econômico e superficial em suas manifestações. Cite o bom e velho livro sagrado, ou uma frase de efeito de Paulo Freire, e tudo ficará bem;

  5. Não dialogue sobre política: “Política, futebol e religião não se discute”, diz o dito popular. Nunca exponha seu ponto de vista, principalmente se faz crítica ao capitalismo e ao imperialismo. Falar sobre racismo, feminismo, colonialismo e eurocentrismo pode, pois é funcional a ordem burguesa;

  6. Pratique a meritocracia/empreendedorismo: Viva o sonho americano! Acredite que tudo depende de você. Seja seu próprio patrão. Não perca tempo dialogando com pessoas que enfrentam as mesmas dificuldades. Antes só do que mal acompanhado. Não é a gasolina que está cara, é você que trabalha pouco;

  7. Seja resiliente: Não importa quanto ganha pelo trabalho que você realiza, adapte-se aos seus próprios recursos. E se não encontrar trabalho, não reclame, procure um plano funerário que você possa pagar;

  8. Repasse mensagens duvidosas: A internet é livre para postar o que quiser. Por que ter trabalho para checar a origem e a real intenção de cada post?

  9. Viva para o trabalho: Seja obediente ao patrão, e demonstre gratidão por ele conceder a oportunidade de trabalho. Não existe essa coisa de luta de classes. Todos são livres para terem o que quiserem, só depende do esforço de cada um;

  10. Se alguém lhe oprimir, ofereça uma flor: É possível ser feliz sozinho/a. Evite os conflitos. O governo e as instituições cuidam das pessoas, precisamos confiar e amar. O que falta no mundo é amor. Comece o dia postando uma frase bonitinha, de auto ajuda, preferencialmente com um animal fofinho, em todos os grupos em que participa.

Se nada disso funcionar, para aumentar o número de seguidores em suas redes sociais, basta não falar sobre comunismo/socialismo, culpar o PT e reeleger o Bozo e sua corriola  em 2022.

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CARTA PARA PAULA FREIRE: subsídio à práxis crítico-político-pedagógica

Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2021.

Querida Paula Freire,

Paulo Freire morreu. Embora, no atual contexto de opressão que nos submetem, seu legado esteja mais vivo do que nunca. Sei que você sabe disso, mas recebi, assim como todos os docentes da EJA (educação de jovens e adultos) da rede pública de educação onde atuo, a tarefa de escrever uma carta para Paulo Freire. Considero que escrever carta a um falecido é como “semear” feijão em algodão… Como experiência é bem interessante, porém falta a perspectiva da colheita do feijão e/ou de fazer uma feijoada. Como sou materialista, crítico as políticas verticalizadas, bem como nossos estudos sobre a obra desse saudoso educador popular, à luz da disciplina Fundamentos da pedagogia de Paulo Freire e sua importância para os campos da educação e saúde (Fiocruz/EPSJV), em que estamos matriculados, me pareceu mais significativo escrever-lhe essa carta com algumas considerações sobre minha práxis crítico-político-pedagógica.

Nas escolas por onde passei, no geral, em meus quase 30 anos de magistério, havia sempre um forte apego ao pragmatismo e ao tecnicismo, expressos nas cobranças exageradas das burocracias escolares imediatas, sem qualquer possibilidade de diálogo, quiçá pensar formas mais eficientes e eficazes do cumprimento das tarefas escolares, ou sua própria existência enquanto relacionadas as causas e consequências para o processo ensino-aprendizagem. É claro que isso não “nasce” dentro das escolas, faz parte da historicidade escolar brasileira, forjada no movimento escravagista e organizada pelo império[1]. Em paralelo, ainda convivemos com a religiosidade de dirigentes políticos, gestores, docentes e discentes, fato esse que acaba dificultando ainda mais a percepção das contradições no interior das unidades escolares, bem como apaziguando a luta entre opressores e oprimidos. Tais posições fechadas/irracionais ganharam escala em tempos de pandemia, com repercussões inclusive para o ensino de ciências. Para além do negacionismo, a intolerância religiosa acaba inviabilizando a argumentação/dialogicidade em base científica. Pode parecer exagero, em se tratando da escola como um todo, mas como explicar a recomendação de cloroquina entre professores(as), para o caso da covid-19, à revelia de todas as mídias de divulgação científica? Essa é nossa situação concreta.

Quanto a necessária dialogicidade, apesar das inúmeras redes sociais, muito ou quase nada é de fato discutido em profundidade. Cria-se, inclusive, espaços de “informes administrativos”, ou seja, exclusivos para a transmissão do “tem que”. Os poucos canais de comunicação, de via dupla, que ainda nos restam, estão restritos as eventuais “conversas de corredor”, ou grupos de WhatsApp (ainda sem pactuação quanto aos seus objetivos), limitados ao diagnóstico das situações de precariedade no ambiente de trabalho. Até mesmo o CE (Centro de Estudos), espaço conquistado de formação em serviço, foi capturado pelo pragmatismo, tecnicismo e religiosidade, onde o sistema impõe projetos “alienígenas” nas escolas, com datas preestabelecidas, principalmente de culminância, por exemplo, sem qualquer preocupação com a participação efetiva dos/as estudantes. Como subverter as relações antidialógicas nos espaços escolares? Nessa castração do livre exercício do pensar coletivamente, o que dizer de um CE dividido entre docentes da EJA I (anos iniciais) e docentes da EJA II (anos finais) e/ou professores de Educação Física, Artes e Inglês e professores das demais disciplinas? Por que tais divisões acontecem? Até mesmo a temática (comemorativa) centenário de Paulo Freire segue essa lógica ao partir do “tem que”, ao invés da realidade concreta problematizada pelas comunidades escolares, limitando a teoria freireana a uma visão fragmentária (leitura de pequenos trechos da obra), romantizada (prevalência da amorosidade em detrimento da justa raiva[2] e da luta dos oprimidos), aligeirada (tempos curtos) e/ou deturpada (esquivar-se do mundo para transcender[3]). Como refletir sobre Paulo Freire, junto aos estudantes, se, como professores não estamos imbuídos desse sentimento de coletividade e/ou comunhão de saberes e/ou democracia participativa. Nas palavras de Giroux (2021)[4]: “O espírito e a política de Freire não devem ser somente celebrados com alegria, mas imitados e fortalecidos em torno da construção de uma nova ética, revolucionária”. Na medida em que docentes e discentes não pautam suas próprias ações/reinvindicações, perguntas permanecem sem respostas: Quem são os(as) profissionais da educação que introjetam a “sombra” dos opressores? Quem são nossos(as) alunos(as)? Por que escolheram nossa escola? Qual é o maior desafio pedagógico da EJA hoje? O que é formar para “cidadania”? Qual PPP (Projeto Político Pedagógico) embasa nossos atos políticos, dentro e fora da escola? Quais perspectivas teórico-metodológicas embasam (ou deveriam embasar) nosso PPP? É possível construir um projeto pedagógico coletivo sem a participação de estudantes e corpo diretivo da escola? Como avaliar nossa prática coletiva e individual, enquanto educadores? Como cuidamos da nossa saúde coletiva dentro da escola? Qual(is) nossa(s) ideologia(s)? Qual é a real motivação para o retorno ao ensino presencial, por decreto, no fim do ano letivo?

Lembro-me bem da frustração juvenil, ao observa o pé de feijão morrer lentamente, enquanto suas pequenas raízes não encontravam nutrientes (no algodão). A mesma frustração volta a me assolar, ao ver alguns estudantes, professores e gestores não participarem da roda de conversa sobre Paulo Freire. A culpa não é dos indivíduos, mas de um sistema que não valoriza as construções verdadeiramente coletivas no chão das escolas. Aprendi isso com a EJA, sobretudo com sua história, não só da luta por garantia de direitos, mas também por suas ricas experiências de construção de textos coletivos em encontro de alunos/as. Precisamos resgatar essa história!

Ao revisitar as contribuições freireanas, olhando para o chão das nossas escolas, é possível ampliar a denúncia quanto a invisibilidade, a desescolarização, e ao desmonte das políticas públicas para a EJA, conforme constatadas por Nicodemos e Serra[5]. Certamente, ao considerar o ato de amor vinculado ao comprometimento com a causa do oprimido (sua libertação)[6], Paulo Freire continua contribuindo para uma práxis emancipatória, sobretudo em relação a sua crítica a “educação bancária”. Paulo Freire também critica a não intimidade dos saberes curriculares fundamentais ao aluno e a sua experiência social, afirmando que “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Refletir sobre o trabalho pedagógico crítico, na perspectiva Freireana, é rever as teorias e práticas atuais voltadas a reprodução desse sistema desigual e excludente. Ler Paulo Freire, portanto, é ser instigado a transformar essa realidade, no sentido do trabalho coletivo, da “co-laboração”, nunca de uma transformação individual. Assim, também é possível anunciar nossa utopia (concreta), onde nossas ações pedagógicas emancipatórias se some as ações do MST (movimento dos sem-terra), e tantas outras marchas revolucionárias, no sentido de produzir/cultivar um mundo sem divisões entre classes sociais, sem apropriação privada do conhecimento, onde todos e todas sintam-se livres para discutir o seu fazer/pensar/ser. Tal como os/as estudantes nos ensinam, no caso de um jornal estudantil[7]. Assim, entre o pessimismo da razão provocado pela denúncia, e o otimismo da vontade do anúncio de uma nova visão societária possível, despeço-me com o lema da Conferência Nacional Popular de Educação – Conape 2022: “Educação pública e popular se constrói com democracia e participação social: nenhum direito a menos e em defesa do legado de Paulo Freire”.

Por fim, querida Paula, agradeço por você estar viva, pelo seu companheirismo nos estudos, e pela possibilidade real em continuar colhendo os “feijões” da reflexão-ação-reflexão, nesse solo fértil do materialismo histórico-dialético. Seguimos na práxis crítico-político-pedagógica, sem nos rendermos a cultura de celebridade à Paulo Freire, entendendo que não nos é possível evitar os conflitos, pois fazem parte das situações-limites que enfrentamos todos os dias, em nossas escolas, na busca do inédito-viável. Saudações amorosas e revolucionárias!

Roberto Eduardo Albino Brandão[8]

[1] Educação, Estado e democracia no Brasil / Luiz Antônio Cunha. 6 ed. – São Paulo: Cortez, Niterói, RJ, 2009.

[2] Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos / Paulo Freire. 1. Ed. – São Paulo: Paz e Terra, 20014.

[3] https://www.coipesu.com.br/upload/trabalhos/2015/10/pedagogia-freireana-e-teologia-da-libertacao-trilhando-caminhos-de-esperanca.pdf

[4] https://diplomatique.org.br/relembrando-paulo-freire-como-um-revolucionario-lutador-pela-liberdade-2/

[5] https://www.curriculosemfronteiras.org/vol20iss3articles/nicodemos-serra.pdf

[6] Pedagogia do oprimido / Paulo Freire. 17ª ed. -Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

[7] https://roberto.bio.br/blog/?p=314

[8] Mestre em Educação Profissional em Saúde, Professor de Ciências da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro e Professor de Biologia da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro.

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Jornal Peja Alagoas – movimento estudantil em pleno vigor

Orgulho desses(as) nossos(as) estudantes jovens, adultos e idosos!!!

Novembro/2021:

5_jornal_Peja_Alagoas

Outubro/2021:

4_jornal_Peja_Alagoas

Setembro/2021:

3_jornal_Peja_Alagoas

Agosto/2021:

2_jornal_Peja_Alagoas

1_jornal_Peja_Alagoas

 

 

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CAPITALISMO: nosso problema principal

(Texto escrito e narrado durante a 3ª Conferência Livre de Saúde em Manguinhos, em 24 de julho de 2021 )

 

Otto Lara Rezende disse certa vez:
“O mineiro só é solidário no câncer”.
Como pode essa afirmação, sem nenhum “talvez”?
Naquilo que não se pode vencer.

É fácil ser solidário com um indivíduo,
que morre aos poucos, sem qualquer possibilidade de cura.
A quem se despede da dor, é fácil confortar e ser assíduo.
Difícil é se fazer presente na loucura.

Quero ver ser solidário com o conjunto de trabalhadores,
que também morrem aos poucos, mas que acreditam em “capitalismo humanizado”.
Quero ver solidariedade com os alienados, a serviço dos colonizadores,
do povo que se diz “cristão de direita civilizado”.

Falo de solidariedade em um sistema político que nos oprime.
Falo de um sistema que nos tampa os ouvidos, cala a voz, e embaça a visão.
Falo de uma estrutura social e econômica que nos deprime.
Falo da possibilidade em acumular riqueza: banqueiro, empresário, patrão.

Falo de desigualdade e dominação.
Falo da privatização, com propriedade e embasamento,
de quem busca transformação e não reprodução,
de um modo de vida que nos violenta a todo momento:

Sofremos quando crianças, sem entender por que nos batem ou somos abusados.
Sofremos quando jovens, sem querer entender por que a polícia nos humilham ou nos torturam dentro das favelas.
Sofremos calados.
Já vimos essas novelas.

Sofremos quando adultos, quando não conseguimos trabalho suficiente para a sobrevivência da nossa família.
A esse exército de contingência, não há trabalho para todos os trabalhadores.
Sofremos quando mulheres são vítimas do machismo de um “pai de família”.
Sofremos com “políticos mercadores”.

Sofremos quando negros/as encontram balas “perdidas”.
Sofremos quando seres humanos tornam-se desumanos ao observar gesto de amor entre 2 homens ou 2 mulheres.
Sofremos isoladas e divididas.
Sofremos com o não reconhecimento de nossos saberes.

Sofremos quando os gestores dos serviços públicos não subvertem (ou não tentam subverter) a precarização, em favor dos usuários.
Sofremos quando nossos vizinhos/colegas de trabalho não querem discutir política.
Sofremos com o silêncio, com a indiferença, com a passividade de vários.
Sofremos quando “não conseguimos respirar” (falta crítica).

Sofremos quando idosos, quando não conseguimos realizar consultas/exames médicos ou remédios para aliviar nossas dores.
Lutar não apenas para sobreviver.
Não podemos ser meros expectadores.
A história precisamos reviver.

O que representa “minuto de silêncio”, para quem nada fala?
De que vale o silêncio frente a intenção de quem nos mata?
O momento é de revolta (coletiva) diante da barbárie em ponto de bala.
Manifestação ainda que tardia… fora todo meritocrata.

A boa notícia é que essa doença (capitalismo) tem cura.
Começa com solidariedade (de classe) e participação popular.
Movimento “anticapitalista” de superação da violência estrutural obscura.
Termina com revolução, para o povo articular.

Poder popular não combina com democracia representativa,
tão pouco com justiça burguesa.
Poder popular se constrói com luta de classe ativa.
Mantemos a chama da revolução acesa.

Avante camaradas… Somos gente que cuida da gente.
Portanto, esperança e foco no problema principal.
Trabalho de base conquistando coração e mente.
Já lembrava Sr. Beserra: DERRUBAR O CAPITAL!!!

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