por Roberto Eduardo Albino Brandão[i]
O silêncio aparentemente “natural” (provocado por um vírus), o silenciamento de uma ativista social e a tentativa de silenciar o pensamento divergente dentro das escolas. Três marcos da atual crise capitalista, que dizem muito da realidade ideológica brasileira. Três “totalidades parciais”, na teoria marxista, de grande repercussão e reflexão em nível nacional e internacional. Três eventos discursivos, cujas análises possibilitam reconhecer quem são “os de cima” (classe dominante) e quem são “os de baixo” (classe trabalhadora). Três fatos sociais/históricos que, no contexto de crise da sociedade do consumo, nos convocam a práxis revolucionária anticapitalista.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus, no dia 11 de março de 2020. Não cabe aqui discutir as origens desse vírus, tão pouco naturalizá-lo, mas sim entender como a sociedade, com base no modo de produção capitalista, reage a esse problema de saúde. Nesse sentido, o governo brasileiro, em pronunciamento histórico do presidente da república, em 24 de março, contrariando as orientações da OMS e as medidas adotadas em outros países, tentou minimizar o problema, pedindo a “volta à normalidade”/fim do “confinamento em massa”, alegando que os meios de comunicação espalham “pavor”, e ainda chamando a doença de “gripezinha”. Tal discurso, diferente do “distúrbio mental” propagado por alguns, segue uma visão estratégica, dentro de um alinhamento “político” e “econômico” com megaempresários, de que “o Brasil não pode parar”, pois a produção, circulação e consumo de mercadorias são a base do processo produtivo de acumulação de riquezas por parte dos capitalistas. Ora, se houvesse uma preocupação concreta com a vida dos trabalhadores, o governo deveria estar investindo todos os esforços no atendimento médico-hospitalar suficiente e acessível a todos/as, inclusive e principalmente no momento de pico da contaminação pelo coronavírus. Ao invés disso, além desses esforços não serem suficientes em nenhum país, no caso brasileiro, o Sistema Único da Saúde (SUS) segue submetido a essa mesma lógica de acumulação de riquezas, cercado de ideias privatistas de saúde como mercadoria e, portanto, de atendimento somente a quem possa pagar e/ou parcerias “público-privadas”, ou seja, negando o sistema público, único e gratuito para todos/as. Ressalta-se que o governo brasileiro dispõe de reservas internacionais que somam mais de 350 bilhões de dólares e, portanto, pode manter os trabalhadores em confinamento para se diminuir a curva de transmissão, diluindo a demanda médico-hospitalar ao longo do tempo.
O assassinato de Marielle Franco, ocorrido em 14 de março de 2018, soma-se as milhares de outras mortes, sempre trágicas e desumanas, principalmente de pessoas das favelas do Rio de Janeiro, com uma diferença. Trata-se de uma pessoa altamente politizada, ou seja, que entendia a totalidade do sofrimento dos oprimidos, que denunciava a opressão, que dava voz a ralé, e tomava partido, defendendo não o seu ponto de vista individual, mas de toda a classe trabalhadora. Cabe considerar que esse brutal acontecimento é historicamente recorrente no interior do Brasil, onde a grande mídia não alcança, uma vez que atentam (com frequência) contra a vida de líderes políticos que contrariam os interesses dominantes no campo. Nesse sentido, embora ainda não se tenha elucidado o crime, por parte das instituições de segurança pública, passados mais de 2 anos, importante considerar as inúmeras mensagens Fake News sobre o caso Marielle. Tais discursos públicos, sem qualquer base material, inclusive por políticos influentes e magistrados, tentam depreciar sua bandeira socialista e despolitizar o crime: “A minha questão não é pessoal. Eu só estava me opondo à politização da morte dela”[ii], diz a desembargadora Marilia Castro Neves à coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo.
Embora surgido em 2004, o programa Escola sem partido tomou vulto em 2015, por conta dos projetos de lei que foram apresentados e discutidos no Congresso Nacional, nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas, defendendo, entre outros, “[…] que todo professor tem o dever ético e profissional de se esforçar para alcançar esse ideal” “[…] da perfeita neutralidade e objetividade”[iii], esforçando-se para não contaminar ideologicamente os alunos. Soma-se a isso, o fato do idealizador do referido programa tentar retirar de Paulo Freire, sem qualquer apoio popular, o título de patrono da educação brasileira. Gaudêncio Frigoto (2017, p.31)[iv], sintetiza muito bem esse movimento, ao refletir sobre sua gênese na crise do sistema capitalista:
Ao por entre aspas o termo “sem” da denominação Escola sem Partido, quer-se sublinhar que, ao contrário, trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc.
Para analisar os três fatos acima, é fundamental partir do pressuposto de que nenhum discurso é livre, sempre está inscrito historicamente, dentro de uma perspectiva ideológica, que não é tratada aqui como “falsa consciência”, mas que: “A ideologia é constituída pela realidade e constituinte da realidade. Não é um conjunto de ideias que surge do nada ou da mente privilegiada de alguns pensadores. Por isso, diz-se que ela é determinada, em última instância, pelo nível econômico” (FIORIN, 1998, p.30)[v].
Assim, observa-se que os discursos hegemônicos, inclusive incorporados por uma fração da classe trabalhadora, possuem forte construção social alicerçada nas correntes de pensamento de base racionalista, liberal, positivista e meritocrática. É sabido que o século XVIII sacudiu o mundo, com o poder da razão, através do Iluminismo. Tal período culminou com a revolução (francesa), sob o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, onde as relações antagônicas entre classe dominante e classe trabalhadora se alteraram. No entanto, em se tratando de capitalismo mundializado, a classe trabalhadora vive ainda hoje sob a opressão da classe dominante:
A classe que chamo provocativamente de ralé é uma continuação direta dos escravos. Ela é hoje em grande parte mestiça, mas não deixa de ser destinatária da superexploração, do ódio e do desprezo que se reservavam ao escravo negro. O assassinato indiscriminado de pobres é atualmente uma política pública informal de todas as grandes cidades brasileiras. […] O acesso ao poder simbólico exige a construção de “fábricas de opiniões”: a grande imprensa, as grandes editoras e livrarias, para “convencer” seu público na direção que os proprietários queriam, sob a máscara da “liberdade de imprensa” e de opinião.[vi]
Torna-se evidente que “os proprietários”, os donos dos meios de produção, são os mesmos que enraizaram seus poderes econômicos no Estado, desenvolvendo a ideologia dominante capaz de lhe dar sustentação política. Essa constatação vem do próprio governo, um dia após o pronunciamento do presidente da república, ao criticar o confinamento dos trabalhadores, o presidente da Câmara Rodrigo Maia declarou:
Minha opinião é que nas últimas semanas nós tivemos uma pressão muito grande de parte de investidores. Aqueles que colocaram recursos na Bolsa de valores, esperando a prosperidade com a Bolsa a 150 mil pontos, a 180 mil pontos. A Bolsa caiu, como caiu no mundo inteiro, porque essa não é uma crise do Brasil, é uma crise mundial que atinge o Brasil.[vii]
Ao fazer com que o governo convoquem os trabalhadores a mover a máquina capitalista, ainda que com o sacrifício da própria vida, ao dificultar a elucidação de crimes que prejudiquem suas atividades lucrativas, bem como impedir o pensamento crítico que se oponha frontalmente a ideia de acumulação de riqueza e divisão social de classes, a classe dominante acentua ainda mais a crise. Mauro Iasi (2017)[viii] corrobora com essa reflexão, ao considerar que a burguesia comete “algumas falhas”, ao ameaçar a humanidade com sua ganância pelo lucro.
Tal “hegemonia ideológica”, caracterizada pela negação das determinações políticas que formam o cimento social, tenta jogar a culpa (da estagnação econômica, das mortes, do fracasso escolar) para o indivíduo trabalhador, naturalizando as relações de dominação e/ou apagando as contradições político-econômico-sociais, ou, simplesmente, escondendo-se atrás de uma suposta “neutralidade política”. Nessa conjuntura, que também estão presentes (encontra-se similaridade) o “golpe de Estado” impetrado pelo governo Temer, a prisão do ex-presidente Lula, a quebra de estabilidade do servidor público, o movimento de Educação a Distância, são incorporados discursos e práticas que obscurecem as tensões inerentes às relações dialéticas, quase sempre reproduzindo a ideologia da classe dominante, porém não sem resistência e luta.
Há quem não reconheça o quanto a sociedade capitalista nos faz pensar e agir individualistas e/ou na materialidade da luta de classes. Há quem, por exemplo, disponha de recursos financeiros para estocar alimentos e cumprir fielmente o confinamento, evitando se expor ao coronavírus, sem pensar nas pessoas que, ao não disporem dos recursos mínimos de subsistência, não podem se dar ao luxo de ficar em casa. Há quem feche os olhos para o que aconteceu com Marielle, banalizando sua trajetória de vida, bem como os processos judiciais contra professores que, durante suas aulas, tentam pensar nas formas de legitimação da sociedade. Qualquer pensamento está inscrito politicamente em nossa sociedade e refere-se a luta/batalha/guerra travada por sobrevivência da classe trabalhadora, seja no campo da resistência, da militância, e/ou da revolução anticapitalista. Na visão de Fernandes (1981), “A luta de classes não constitui um artigo de fé. Ela é uma realidade e só poderá desaparecer se o capitalismo for destruído”[ix].
Buscando demonstrar como esses três fatos sociais/históricos estão imbrincados com a atual crise capitalista, apreende-se que quanto maior o processo de concentração de riquezas, mais evidências surgem da superexploração de uma classe sobre a outra, seja no campo da saúde, da segurança e/ou da educação. As obras de Karl Marx ajudam na compreensão da exploração da força de trabalho, sistematizando diversas categorias fundantes do capitalismo. Embora sua época fosse bem diferente da atual, tais categorias permanecem auxiliando aos que se dedicam a “montar o quebra-cabeça” da economia política no contexto atual. Em seu esforço de atualizar as categorias “dinheiro”, “valor”, “mais valor”, “capital fictício” e “crédito”, David Harvey (2018, p.67)[x] desvela esse modo de produção capitalista, na configuração histórica específica do século XXI:
[…] o capital portador de juros se tornou uma força motriz independente e poderosa de acumulação por conta própria. O resultado não foi a emancipação humana da vontade e da necessidade, mas uma eficiência crescente da circulação e da produção de mais-valor, à custa de índices cada vez maiores de servidão por endividamento e alienação progressiva na política da vida cotidiana.
A alienação, que parte do acirramento da superexploração, dificulta a solidariedade de classe, nesses casos, entre os que podem e os que não pode trabalhar e/ou cumprir o isolamento social em época de pandemia, entre os que podem se manifestar correndo riscos e os que precisam da clandestinidade, entre os professores conservadores (reprodutores) e os progressistas (revolucionários), entre os trabalhadores formais e os “uberizados”, entre os “capitães do mato” e os “escravizados”. Ocorre que os inimigos da classe trabalhadora são aqueles que criam essas diferenças no mundo do trabalho.
Urge a práxis revolucionária[xi],
de refletir coletivamente, com a maior profundidade possível, sobre a visão de
mundo no conjunto da classe trabalhadora, unificando-a na luta efetiva
anticapitalista. No nível teórico, isso significa entender que a crítica ao
capitalismo perde sua potência, sempre que não agrega a fração da classe
trabalhadora mais “escravizada/precarizada” (ralé). Mas, no nível prático,
implica formar um movimento de massa, com ações concretas, para mudar o sistema
atual. Talvez tenha que se criar (ou não) um partido que aglutine todas as
forças revolucionárias. De tal forma que se combine esforços para dominar a
classe dominante, e retomar os ideais da revolução francesa, não no sentido de
uma revolução burguesa, mas em prol de uma revolução verdadeiramente proletária,
com justiça social para todos/as, ou seja, eliminando a divisão de classe e pôr
fim a propriedade privada.
[i] Professor de Biologia/Ciências das redes públicas de ensino, Mestre em Educação Profissional em Saúde. http://www.roberto.bio.br/blog
[ii] Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/desembargadora-marielle-foi-eleita-pelo-comando-vermelho/. Acesso em: 27 mar 2020.
[iii] Disponível em: http://escolasempartido.org/objetivos. Acesso em: 20 mar 2018.
[iv] FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017.
[v] FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Atica. 1998.
[vi] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/09/1920559-escravidao-e-nao-corrupcao-define-sociedade-brasileira-diz-jesse-souza.shtml. Acesso em: 27 mar 2020.
[vii] Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pressao-para-fim-do-isolamento-vem-de-investidores-da-bolsa-afirma-maia,70003248091.amp?__twitter_impression=true. Acesso em: 27 mar 2020.
[viii] IASI, Mauro. Política, Estado e ideologia na trama conjuntural. São Paulo: ICP, 2017.
[ix] FERNANDES, Florestan. O que é revolução. Ed. Brasiliense. 1981
[x] HARVEY, David. A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2018.
[xi] Vide Poesia – Dissidência ou arte de dissidiar – Mauro Iasi
Artigo excelente, parabéns! O mesmo conecta 3 peças-chave de um complexo quebra-cabeças que a sociedade brasileira está desafiada a montar para entender a sua condição no mundo e construir/avançar no seu processo de libertação/emancipação.
Obrigado companheiro! Sua síntese ajuda-nos a continuar na luta pelas transformações estruturais de que nosso Brasil precisa. Somos juntos!
Muito bom, e mostra claramente as omissões que temos vivido ao longo de anos, onde temos apenas políticos cumprindo as ordens de seus capatazes (empresário com interesse escusos).
É uma pena que o povo brasileiro continue seguindo como cavalos em arreios seguindo ordens e não pensem por si só. Temos tudo pra ser auto suficiente mais somos pessimamente administrados, apenas entregando o que temos de melhor.
É isso, minha querida Ale, só a luta muda a vida… somos juntos!
O texto, como tudo que vc escreve é impecável, bem embasado e estruturado, mas o pensamento em sua grande parte segue uma lógica, mas isso não quer dizer que ele seja um retrato fiel dos fatos. Pelo texto eu defino o autor como um Romântico marxista, como sou em outra corrente. Eu na linha do tempo me identifico com a “Contra Cultura” hippie e geração beatnik com fundamentos na literatura de Allen Ginsberg e Jack Kerouac, e toda a efervescência dos anos 60 e o icônico Festival de Woodstock,podemos chamar quem curte esse movimento de “Órfãos de Woodstock”, por esse romantismo, de um tempo que não vivi, relaciono esse sentimento a você, mas no seu mundo em particular, que vejo como “Órfãos de Marx”.
Concordo com vc quando diz que todo discurso parte de uma visão não isenta, mas sim sempre fundamentada pela ideologia do interlocutor, apenas discordo, pois mesmo tendo preferência ideológica, se olharmos apenas por este prisma, teremos a miopia social e intelectual, em que as teorias deixam de ser explicação ou a busca da verdade, para se tornarem a legitimação do modo de pensar, usando os fatos como sustentáculos para o que se diz, não necessariamente a finalidade do texto.
O titulo já deixa claro que a intenção de se fazer o paralelo dos eventos citados: COVID-19, assassinato de Marielle e Escola Sem Partido, sendo o primeiro um evento sem ideologia, que afetou o mundo inteiro, seja esquerda ou direita, monarquias, ditaduras, etc., com outra mazela social, a criminalização, também evento mundial endêmico, cada lugar com suas peculiaridades e motivações, e finalizando com uma iniciativa de ideologia de direita, que busca um equilíbrio ou uma pratica educacional sem manipulação. É explicito a finalidade de culpar o Capitalismo e a Direita, usando eventos e fatos para uma distopia social.
Não irei contradizer cada fato ou dar outra visão, pois sei que a esquerda ou quem dela a usa, não busca uma compreensão dos fatos, e sim confirmação do modo de pensar, e nada que diga sobre os fatos narrados terá relevância, pois a estrada não é do conhecimento, e sim do convencimento.
Este romantismo Marxista, que me pergunto se faz parte de uma utopia simplista ou como se tornou hoje, um meio de ganho de capital, pois Marx nunca foi tão consumido e vendido. Tem toda uma indústria por trás da ideologia, resultando poder, dinheiro, status social, e demais vantagens inerentes ao setor. E querer fazer de Marx um profético utópico, com aplicação de pensamentos e práxis transformadora do século XIX para uma aplicação em um mundo politicamente, ideologicamente, socialmente e intelectualmente do século XXI é inconcebível e incoerente, devendo tal teoria servir de aprendizado e inspiração, querer mais que isso é pura elucubração.
Em outro comentário seu, foi reclamado de ser acusado de defender governo ou Lula, não entrarei novamente no debate sobre o tema, até depois de tudo que já foi dito, penso que nada fará um defensor mudar de idéia, pois os fatos não importam, e sim os personagens que são colocados acima do bem e do mal, pois em seu texto é dito: “… Nessa conjuntura, que também estão presentes (encontra-se similaridade) o “golpe de Estado” impetrado pelo governo Temer, a prisão do ex-presidente Lula…” Isso não o torna um defensor do criminoso, apenas um simpatizante da teoria contada para manipular o povo e manter o capital eleitoral do partido.
Espero não ter lhe desapontado como também não sou o dono da verdade, apenas meu modo de ver as coisas.
Seguimos nosso diálogo, sempre fraternal, não só no campo teórico, mas também na prática:
Começo te agradecendo por compartilhar suas reflexões comigo… Esse era (e sempre será) o objetivo do meu(s) texto(s). Nunca no sentido de convencimento, mas sempre da reflexão crítica.
Não entendo quase nada sobre “romantismo”, mas me parece uma contradição considerar que, embora o meu texto é “bem embasado”, no sentido de sua fundamentação (na realidade), e em seguida me definir como um “Romântico marxista”, talvez no sentido de sonhador ou poético (comunista). Também não entendi sobre o que seria o meu “mundo em particular” e “Órfãos de Marx”… Vivemos no mesmo mundo, mas temos perspectivas distintas dessa mesma realidade. O que Marx nos oferece, e que eu acho que suas leituras são preconceituosas sobre a teoria marxista, é o método para se apropriar, de forma não alienada, da realidade. No livro “Introdução ao estudo do método de Marx”, de José Paulo Netto, a crítica de Marx “Não se trata, como pode parecer uma visão vulgar de ‘crítica’, de se posicionar frente ao conhecimento existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o ‘bom’ do ‘mal’. Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais” (p.18). Isso significa entender que mesmo o COVID-19, por exemplo, ainda que seja um processo “natural”, supostamente “neutro”, segue seus condicionantes sociais e históricos, perpassando as diferentes matizes ideológicas. Você ainda acha que, no Brasil, pobres e ricos tem as mesmas chances de morrer pelo novo coronavírus (ou qualquer outra doença)? Ou você considera que essa doença é só uma “gripezinha”, e é aceitável que trabalhadores morram por conta de um Governo que não garante saúde para todos/as? Isso é o materialismo dialético aplicado a biopolítica.
Também me parece uma contradição dizer que “Concordo com vc quando diz que todo discurso parte de uma visão não isenta, […], apenas discordo, pois mesmo tendo preferência ideológica, se olharmos apenas por este prisma, teremos a miopia social e intelectual[…]”. Penso que não se trata de concordar ou discordar, e sim reconhecer que todo discurso, por mais fiel que seja aos “fatos”, guarda sempre sua ideologia / raízes epistemológicas e cabe ao Leitor fazer a análise do discurso, entendendo as origens, os limites/contradições e as possibilidades/esclarecimentos de cada narrativa. Certo?
“[…] com outra mazela social, a criminalização, também evento mundial endêmico, cada lugar com suas peculiaridades e motivações,” é outra contradição sua. Se é mundial, como pode ser endêmico?
Se você considera o movimento Escola Sem Partido uma “ideologia de direita”, como pode esse movimento buscar “um equilíbrio ou uma pratica educacional sem manipulação”? Toda prática educacional representa uma determinada visão de mundo, independente se ela está mais próxima da direita ou da esquerda, e ela será tão mais libertária quanto maior for a consciência disso pelos educadores e educandos.
Qualquer leitor de Marx entende que ele nunca foi “profético”, no sentido de predizer o futuro. Quando você usa essa palavra, para se referir a teoria marxista, demonstra desconhecimento do materialismo histórico dialético. Marx está analisando as condições reais e concretas do modo de produção capitalista, no início do século XVIII, e cabe a nós entender como a riqueza socialmente produzida continua reproduzindo a miséria/pobreza, desde aquela época até os dias atuais.
Por fim, também não entendo “teoria contada para manipular o povo”… Talvez você se refira ao fato de um político (conhecido como de “esquerda”), condenado por um Juiz “100% imparcial” (que nunca de identificou com a “extrema direita”), utilizando-se de “provas materiais irrefutáveis”, cuja celeridade foi/é equânime para todos e quaisquer réus.
Caro Roberto, a estima é recíproca, e gosto de nosso diálogo, este que me motiva a buscar sempre mais o conhecimento, é sempre um aprendizado, independente das idéias serem iguais ou visões diferentes. Como você destacou várias passagens de meu texto, que para vc não ficou claro, não entendeu ou foram contradições, irei dissertar por tema abordado por vc, terá duas partes, ficou um pouco extenso.
1 – “Bem embasado” x realidade: Reconheço que seu texto tem todo um conhecimento acadêmico, de autores e teorias, e quanto a contradição que vc diz sobre a realidade, em minha fala “… não seja um retrato fiel dos fatos…” foi uma clara referencia sobre o paralelo que vc fez em seu texto “ONDE A PANDEMIA DE COVID-19, O ASSASSINATO DE MARIELLE E O MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO SE APROXIMAM? Uma breve análise da crise capitalista”, embora vc tenha trago argumentos verdadeiros, mas as ligações entre eles não se conectam, a liga que vc tentou dar aos fatos (Marielle, Escola sem partido e Pandemia) em sua visão seria o Capitalismo e a direita, são realidades distintas, com a ideologia de esquerda tentando culpar a direita, e para reafirmar o meu argumento, a Pandemia iniciou em um País Socialista.
2 – Romantismo e “Órfão de Marx”: Uma visão romântica de ver o mundo, quando jovens somos ingênuos, procuramos um ideal para viver e queremos deixar nossa marca e mudar o mundo, e a idéia das lutas de classes, do revolucionário, da luta contra o poder estabelecido, ser o herói e salvador, o cavalheiro no cavalo branco, etc, isso é uma visão romântica de mundo. Descrevi que me identifico em um período de tempo, me parece que vc se identifica no período de tempo do meado do século XIX, em plena produção intelectual e teorias e fatos que mudariam o mundo, onde Marx floresceu suas teorias, mesmo as idéias socialistas não serem criação de Marx, ele desenvolveu para a criação do Comunismo, acho que podemos chamar Marx como o Pai do Comunismo, por conseqüência quem adota essa corrente filosófica, podemos dizer que são filhos deste conhecimento, e como Marx não está entre nós, os filhos ficaram órfãos.
3 – “suas leituras são preconceituosas sobre a teoria marxista”: É inegável a contribuição de Marx para varias áreas, e não temos porque não reconhecer e aceita-las, mas o grande debate é o sistema político e econômico, ao trazer “Introdução ao estudo do método de Marx”, de José Paulo Netto, onde ele diz “…Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais…” O exame racional mostra que de fato o socialismo foi um fracasso, só se sustenta por ditadura, e em países adotado pela força, não distribuir igualdade ou riqueza, e sim fome, miséria e morte, e que o comunismo cientifico seria o Oasis da civilização é uma quimera delirante, onde nem Marx soube explicar ou apontar a direção. Isso não é preconceito, são fatos históricos e atuais.
4 – COVID-19 e “Você ainda acha que, no Brasil, pobres e ricos tem as mesmas chances de morrer pelo novo coronavírus (ou qualquer outra doença)? È fato que o Brasil, e hoje vemos que o mundo não esta preparado para esta pandemia, e que nosso sistema de saúde hoje, ontem e nunca foi pensado para os pobres, tivemos alternância no poder, esquerda, direita, militares, monarquia, etc, então querer culpar este governo ou a direita pela falta de estrutura e visão de saúde para os pobres, é no mínimo oportunismo político, ideológico e intelectual, principalmente após governos ditos de esquerda e defendido por nossas elites e intelectuais de esquerdas que emudeceram ou apoiaram se construir estádios em vez de hospitais, Este governo e todos outros, nunca garantiram a saúde para todos, da mesma forma que materialismo dialético tem sua concepção na lógica e razão, então é ilógica a afirmação que a pandemia é uma conseqüência do capitalismo e da direita.
5 – Visão e Miopia: “Também me parece uma contradição dizer que “Concordo com vc quando diz que todo discurso parte de uma visão não isenta, […], apenas discordo, pois mesmo tendo preferência ideológica, se olharmos apenas por este prisma, teremos a miopia social e intelectual[…] Penso que mesmo que eu possa ter uma ideologia, a razão e principalmente a ação, pode e deve estar pautada nos fatos e conseqüências, por mais que um cristão tenha sua convicção contra qualquer tema, pegarei um dogma, a homossexualismo , por mais que este cristão tenha a visão que é um pratica antinatural, pecadora etc, não impede ele entender o porque do outro existir, e ter ações de respeito, empatia, e ações baseada nas razões de uma pluralidade e de aceitação social. Mesmo eu tendo uma visão capitalista não impede a aceitação de praticas que possa ter víeis de esquerda, pois é a razão que guia a ação. Dito isso, vc passou a ser o contraditório ao dizer: , por mais fiel que seja aos “…fatos”, guarda sempre sua ideologia / raízes epistemológicas e cabe ao Leitor fazer a análise do discurso, entendendo as origens, os limites/contradições e as possibilidades/esclarecimentos de cada narrativa. Certo?”
Respondo que Certo, pois minhas raízes são apenas um dos elementos para reconhecer os fatos, e outros elementos que tornará a compreensão dos fatos, e conseqüentemente guiará as ações ou pensamentos.
6 – Se é mundial, como pode ser endêmico? Talvez faltou um virgula, após o “mundial”, pois quando disse “também evento mundial endêmico, cada lugar com suas peculiaridades e motivações”, ao referir a sua intenção de ligar o assassinato de Marielle ao Covid19 culpabilizando novamente o capitalismo e a direita. Apenas sinalizei que a violência ou criminalidade é um evento mundial, e as raízes que são endêmicas em cada região em particular, na America do sul violência vem da desigualdade, na Europa pode ser por poder ou ganância, no oriente médio a violência são por motivos religiosos, etc. A ação é mundial, os motivos são locais, portanto endêmico.
7 – Escola Sem Partido – Se você considera o movimento Escola Sem Partido uma “ideologia de direita”, como pode esse movimento buscar “um equilíbrio ou uma pratica educacional sem manipulação”?: Este é mais um tema, que a esquerda usa jogo de palavra para a desinformação, questionar a Escola sem partido, é um desconhecimento do projeto ou falta de senso, e atitude tendenciosa. Será o mesmo que afirmar que a esquerda não pode propor um projeto de proposição capitalista ou democrática. Em sua fala: “Toda prática educacional representa uma determinada visão de mundo, independente se ela está mais próxima da direita ou da esquerda, e ela será tão mais libertária quanto maior for a consciência disso pelos educadores e educandos.” Isto é um exemplo de pratica de “Doutrinação ideológica” em que o projeto Escola sem partido tenta extirpar do seio da escola, concordo que os educadores tenham sua visão de mundo, mais usar seu poder de cargo e de platéia cativa, onde os alunos, não podem se retirar ou contradizer, serem expostos a ideologia somente de seu educador, onde demonizam a ideologia contrária, isso nos dois lados, tanto de esquerda quanto de direita, enquanto os educadores são pagos para ensinar de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o aluno tem o direito de uma educação plena, e isenta, o professor pode não ser isento, mais as ações dele, tem que ser isenta, como visto antes, minhas ações e ações, não levam em conta apenas a ideologia, sem dizer que os pais, mandam seus filhos para serem cidadãos, e não revolucionários, e se apropriar dos filhos para este fim, é fugir do oficio para o qual destinado. Cabe uma pergunta, se os educadores esquerdistas acham que uma educação socialista é libertadora, porque não existem escolas com currículos socialistas?
8 – Marx Profético – Quando vc aponta meu desconhecimento: “…Qualquer leitor de Marx entende que ele nunca foi “profético”, no sentido de predizer o futuro. Quando você usa essa palavra, para se referir a teoria marxista, demonstra desconhecimento do materialismo histórico.” Escapou o verbo FAZER que usei: “E querer fazer de Marx um profético utópico”, são os “Órfãos de Marx que fazem de Marx um profético, e vc confirma o que falo ao dizer: “. Marx está analisando as condições reais e concretas do modo de produção capitalista, no início do século XVIII”, exatamente, não se pode trazer uma teoria, uma solução de um mundo do século XVIII e aplicar nos dias de hoje, como disse antes, o conhecimento da história serve para entender o dia de hoje, e prever o dia de amanhã, e achar que socialismo ou comunismo Marxista seria a solução para a sociedade contemporânea, baseada em Marx, é querer fazer dele um Nostradamus.
9 – Finalizando: “teoria contada para manipular o povo”: Quando vc diz: “Talvez você se refira ao fato de um político (conhecido como de “esquerda”), condenado por um Juiz “100% imparcial” e “utilizando-se de “provas materiais irrefutáveis”, não tem porque não ser explicito, sim vc esta certo, vamos nomear: Lula, tendo em mente, que foi vc que trouxe o Lula no seu texto, me causa profundo espanto, ver pessoas com altos níveis intelectuais das mais variadas áreas, repetir esse discurso raso e falso, feito para manipular os pobres e iletrados, e vc faz referencia aqui de forma irônica “Juiz “100% imparcial” e “provas materiais irrefutáveis”, sempre que tem esse assunto, a primeira coisa que pergunto ao interlocutor, se ele leu a Sentença de condenação do Lula, a resposta é sempre a mesma, nunca leram, e nem querem ler, pois assim se tem um pseudo conforto moral, pois se não sei, não sou desonesto intelectualmente, onde as ironias de provas, estão todas la, com depoimento de dezenas de pessoas, de trabalhadores, porteiro de prédio, peões de obra, arquiteto, etc, sem contar que o Juiz não significa nada nesta questão, mais um item ignorado pelo discurso manipulador, no recurso no STJ a condenação foi mantida e a pena aumentada, por unanimidade pelos desembargadores, e por um Supremo Tribunal Federal, onde dos 11 ministros, 7 foram indicados pelo PT, e fora a Lógica e razão, onde um partido tem o presidente e toda a cúpula presa, e depois de tudo isso, alguém ter coragem de tentar usar esse argumento, isso não é ser petista ou esquerdista, não irei adjetivar.
Conclusões: Já é um avanço, pelo menos vc não refutou minha afirmação que Marx hoje é um bem de renda capitalista.
Abraços fraternais.