Entre denúncia de atividades remotas impostas as escolas, e anúncio de educação a distância que atenda aos interesses da classe trabalhadora (2ª edição – contribuição dos meus companheir@s)*

por Roberto Eduardo Albino Brandão

Como pensar em um projeto societário anticapitalista, a partir da classe trabalhadora, sem considerar a disputa por democratização dos artefatos tecnológicos de Informação e Comunicação, incorporada as estratégias de luta política dos movimentos sociais? Para tentar responder a essa pergunta, parte-se dos desdobramentos históricos do uso dos artefatos tecnológicos nos processos ensino-aprendizagem, através da modalidade de EaD (Educação à Distância), onde ela seria capaz de promover a troca de informações e mensagens formativas, através desses artefatos, independente de local físico determinado. Assim, é fundamental refletir sobre a complexidade das diferentes propostas de EaD, principalmente no contexto de extrema desigualdade social e superexploração dos trabalhadores:

No Brasil, segundo Belloni (1998), a história da modalidade [EaD] pode ser resumida como uma série de ações nem sempre coerentes e muitas vezes contraditórias ligadas a políticas fragmentadas sem bases estruturantes de médio e longo prazos. (PEREIRA; et al, 2017, p.27)

Ao partir da concepção teórica do materialismo histórico dialético, é possível compreender que todos os novos artefatos tecnológicos, sejam eles hardware (laptop de baixo custo), software (aplicativos/plataformas de código aberto e produzidos no Brasil) e/ou internet (Programa Internet para Todos), possuem intencionalidade política construída historicamente. No contexto atual de pandemia por COVID-19, as escolas públicas foram surpreendidas com uma série de medidas para que os professores utilizassem seus próprios artefatos tecnológicos em ensino ou atividades remotas, bem como os estudantes foram compelidos a participar desse processo, sem qualquer referência e/ou formação e/ou discussão com a sociedade civil. Fato é que esse processo aligeirado e excludente passa longe do papel teórico-metodológico da EaD, gerando uma visão distorcida dessa modalidade educativa, haja visto seu atual direcionamento mercadológico e nada dialógico.

O fato dos governos importarem plataformas educativas, que não foram pensadas para as diferentes realidades brasileiras, revela o quanto as corporações que administram essas plataformas, ao desenvolverem tecnologias no campo da educação, estão preocupadas em maximizar o lucro (extraordinário), e assim continuar reproduzindo o modo de dominação/dependência/produção capitalista:

A tecnologia aparece como instrumento de dominação e maior transferência de capitais para os países ricos. A compra de pacotes tecnológicos obsoletos para amortizar tecnologias já descartadas pelo centro, o pagamento de patentes e a divisão entre duas etapas de desenvolvimento tecnológico, mais complexas no centro e menos complexas na América Latina, são expressões da dependência tecnológica, criada pelas relações dependentes. (TELES, 2017, p.126)

Quanto mais a classe trabalhadora avança na consciência de sua situação de superexploração e acirramento das desigualdades, mais cresce a revolta popular anticapitalista. Isso explica os movimentos sociais, partirem para manifestações “contra EaD”, que posteriormente foram se transformando em “contra ensino remoto” e “contra atividade remota”. Negar a EaD, nesses moldes, seria uma boa estratégia de luta por uma educação emancipatória? Não se trata de atribuir a EaD um caráter redentor das mazelas educacionais e falta de investimento, tão pouco assumir uma posição idealizada de educação. No entanto, ao focar apenas nessa reação “contrária” a utilização dos artefatos tecnológicos, tal qual concebida e aplicada sob o poder político-econômico da classe dominante, esquece-se e/ou relega-se a segundo plano a possibilidade de incluir a EaD num projeto de sociedade da classe proletária.

Argumenta-se que não é possível se pensar em EaD, nas escolas públicas, sem a inclusão de todos/as (crianças, jovens, adultos e idosos) no mundo das novas tecnologias (digitais), fornecendo a eles/elas todos os artefatos tecnológicos necessários a essa inclusão e permanência, como aponta o grupo de pesquisadores Colemarx/UFRJ (2020, p. 23):

iii) As atividades mediadas por tecnologias devem ser democratizadas: acesso livre à internet de qualidade para todos estudantes [e professores].

iv) Democratizar acesso aos meios tecnológicos que possibilitam interações criativas na internet.

v) Liberação gratuita de espaços de encontros virtuais nas escolas, redes, objetivando promover debates sobre as crises em curso e o papel da educação.

Lutar pela democratização dos artefatos tecnológicos é lutar pela socialização do conhecimento, é também lutar pela escola unitária, com autonomia pedagógica das comunidades escolares.

Se a EaD não substitui a educação presencial, tão pouco a educação presencial consegue substituir a EaD, em todas as suas especificidades. É fundamental problematizar o(s) sentido(s) da educação, seja ela presencial ou a distância, assumindo o compromisso ético-político de emancipação da classe trabalhadora nas relações capitalistas de produção. Relações excludentes, fundamentadas na desigualdade, meritocracia, individualismo e privatismo. Tais reflexões permitem ampliar o papel da EaD, no sentido de “ponte”, para a construção de processos ensino-aprendizagens significativos, e não “gaiola”, que tire a liberdade dos educadores e educandos. Avalia-se que, estrategicamente, na conjuntura das lutas de classes, não se pode negar (ser contra) a EaD em si / a priori, pois:

[…] é preciso reconhecer que a EaD aplica princípios industriais na educação. Busca-se o máximo resultado com o menor investimento, o que revela grandes contradições. No entanto, não se pode, com isso, descartar a EaD completamente e não reconhecer suas potencialidades no campo educacional. É necessário discutir qual EaD, para que e para quem promovê-la. (PEREIRA; et al, 2017, p.16)

A luz da militância crítica, espera-se que os movimentos sociais consigam aprofundar essas análises, para além do pessimismo da razão econômica (desumana), e organizar a classe trabalhadora com o otimismo da vontade de superação do sistema capitalista. Seria a nova revolução tecnológica (igualitária) o anúncio de um movimento pré-revolucionário anticapitalista?

Referências:

COLEMARX – Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação. Em defesa da educação pública comprometida com a igualdade social: porque os trabalhadores não devem aceitar aulas remotas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: http://www.colemarx.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Colemarx-texto-cr%C3%ADtico-EaD-2.pdf. Acesso em: 05 jul. 2020.

PEREIRA, Maria de Fátima Rodrigues; MORAES, Raquel de Almeida; TERUYA, Teresa Kazuko. (Orgs) Educação a distância (EaD): reflexões críticas e práticas. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017.

TELES, Gabriela Caramuru. A tecnologia no capitalismo dependente: a superexploração da força de trabalho em Karl Marx e Ruy Mauro Marini. 2017. 131 f. Dissertação (mestrado em Tecnologia) – Universidade Federal Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2017.

* 1ª Edição encaminhada ao X Colóquio Internacional de Filosofia e Educação (http://filoeduc.org/10cife/index.php).

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