por Roberto Eduardo Albino Brandão[1]
Fonte: https://spbancarios.com.br/charge/03/2019/escola-publica
A matéria de ontem (19/02/2022), no jornal O Globo, intitulada: Debandada no MEC: 11 servidores entregam cargos e citam defesa do ‘interesse público sobre o privado’[2], é bastante significativa para pensarmos o contexto das nossas escolas públicas de massa, especialmente na educação de jovens e adultos – EJA. Me refiro as “de massa”, para diferenciar das outras escolas públicas que utilizam algum tipo de seleção de alunos, inclusive através de “sorteios” de vagas. Portanto, me refiro a escola que aceita todos/as e atualmente não possui “fila de espera” de vagas, onde é possível perceber que “[…] a evasão escolar e a redução do número de matrículas na EJA são dois pregos nos olhos da classe trabalhadora”[3], e cuja explicitação do comprometimento ético-político dos profissionais da educação torna-se cada vez mais necessária e urgente.
Em tempos de mídias sociais, é fácil “falar para” a massa de trabalhadores, o difícil é ser “escutado atentamente” por ela, sobretudo quando a narrativa procura ir à essência e não a simples aparência. Mais difícil ainda, é “refletir com” a massa (coletivamente). Nesse sentido, alguns trabalhadores, principalmente os identificados com a perspectiva ideológica marxista/socialista, já vinham alertando sobre a atuação/influência de organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, ONU, OEA, etc.), bem como organizações ditas “sociais”, financiadas por recursos privados (e/ou parcerias público-privadas), “sem fins lucrativos” (para efeitos jurídicos), muitas associadas a bancos privados (Bradesco, Santander, Itaú, etc.) e/ou a megaempresários/milionários (Roberto Marinho, Ayrton Senna, Paulo Lemann, Abílio Diniz, etc.), “ajudando” governos em políticas públicas que seguem a lógica neoliberal de educação. Assim, pesquisadores/as apontam que:
O Estado se desresponsabilizou diretamente também pela educação infantil e pela educação de jovens e adultos, estimulando a sua expansão por meio de políticas de parceria. […] O caráter mais imediatamente interessado das ações educacionais neoliberais materializou-se nas políticas públicas direcionadas à melhoria da qualidade de ensino, entre as quais merecem destaque: o treinamento de dirigentes escolares, metamorfoseados em gerentes; a redefinição da política de formação de professores de todos os níveis de ensino; a definição das diretrizes e dos parâmetros curriculares nacionais; as diretrizes para elaboração dos projetos político-pedagógicos das escolas e os mecanismos de avaliação do desempenho escolar, das instituições de ensino e do corpo docente. (NEVES & PRONKO, 2008, p.66-67)[4]
No contexto atual, no chão das escolas públicas de massa, não é raro aplaudirem vídeos/ideias, propaladas por tais entidades, como a meritocracia e o empreendedorismo, por exemplo, exaltando um modelo de educação voltado aos interesses mercantis (da classe dominante), como se o “mercado” fosse uma força suprema capaz de garantir justiça social, ainda que para os mais “esforçados”. Por outro lado, reforçando essa mesma lógica neoliberal, observa-se a passividade em cada canto dessa escola pública. Na prática, professores calados, inertes a qualquer ação coletiva de forma crítica, frente as contradições do modo de produção capitalista, reforçado por narrativas hedonistas, dizem muito da função social da escola hoje. Esse “mudismo” se reflete na ausência de assembleias envolvendo toda comunidade escolar e/ou elaboração coletiva do projeto político pedagógico, no ambiente antidialógico travestido de centro de estudos/reunião pedagógica, bem como tudo isso é “ensinado” aos estudantes, através da nova pedagogia da hegemonia, onde:
O Estado, não sem tensões e contradições, vem intensificando, com todos os instrumentos legais e ideológicos a seu dispor, o seu papel de educador, ou seja, de instrumento de conformação cognitiva e comportamental do brasileiro ao projeto de sociabilidade burguesa implementado pelos governos anteriores. (NEVES, 2005, p.95)[5]
Nesse caminho, para o fosso da conciliação de classes/apaziguamento da luta de classes, encontramos gestores (trabalhadores com cargos de confiança) cumprindo fielmente os ditames da sociedade do consumo/excludente (educação como mercadoria), sem qualquer visão crítica dessa realidade, negação da política no ambiente escolar, formação de professores (em serviço) desalinhada com as necessidades/prioridades de cada escola, organizações sindicais com pouco fôlego para o trabalho de base, baixo protagonismo estudantil na EJA, etc. E, até mesmo, quando conseguimos uma pequena organização estudantil atuante na contra hegemonia, que se inicia com um jornal dos estudantes e egressos, os próprios profissionais (trabalhadores) da educação conseguem sufocar (violentamente) a liberdade de expressão, a criticidade, e pôr fim a única forma de participação social não institucionalizada dos estudantes na escola.
Vivemos tempos difíceis. Tempos que precisamos registrar e avançar na luta coletiva anticapitalista. Como situações extremas exigem medidas extremas, não importa se “o rei está nu”, o que importa mesmo, antes de destituir o rei e instaurar o poder popular, é dizer em alto e bom tom que não concordamos com a opressão do rei em cima dos trabalhadores, ainda que essa decisão resulte em prejuízo individual. Portanto, parabenizo a ação política (admirável) de servidores públicos conscientes, que não compactuam com os interesses privados na educação, e me coloco ao lado desses/as, na luta histórica em favor do serviço público e da classe trabalhadora, e contra a acumulação de riqueza e a propriedade privada da classe dominante. E você, de qual lado está?
[2] Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/debandada-no-mec-11-servidores-entregam-cargos-citam-defesa-do-interesse-publico-sobre-privado-25399888
[3] Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/55511a2cf4d33d95bdbad1a06ee08783.PDF
[4] Livro: O Mercado do conhecimento e o conhecimento para o mercado: da formação para o trabalho complexo no Brasil contemporâneo / Lúcia M. W. Neves e Marcela A. Pronko. – Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
[5] Livro: A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso / Lúcia M. W. Neves (Org.). – São Paulo: Xamã, 2005.
Roberto estamos juntos nessa luta, com certeza! Sua ajuda é fundamental!
Gratidão companheira. Somos junt@s, sempre!