CPIPANDEMIA E A EDUCAÇÃO P.Q.P.: aprendizagens de um professor de ciências (texto em construção)

por Roberto Eduardo Albino Brandão[*]

Mesmo ainda não concluída, até a finalização desse texto, quero registrar o meu agradecimento a todos(as) que participaram da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA), criada com o objetivo de apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19, uma vez que a referida CPIPANDEMIA vem contribuindo significativamente para minha própria formação, enquanto professor de ciências/biologia com quase 30 anos de magistério no serviço público. Aproveito para compartilhar com meus e minhas, atuais e antigos(as), alunos e alunas, algumas reflexões sobre essa CPIPANDEMIA, principalmente no atual contexto de uma educação PQP (Papagaio – Quebra-galho – Prova), que vai muito além do momento pandêmico que vivenciamos, que nos é imposta por esses governos descompromissados com a educação voltada aos interesses dos(as) trabalhadores(as):

1. É impossível qualquer discurso que não seja político, pois a política está em tudo

Toda relação humana é política. Ciência e religião envolvem relações humanas. Logo, ciência e religião são políticas, independente do esforço e da vontade de quem diz “não sou político”. Ainda que alguns(mas) depoentes/convidados(as) da CPIPANDEMIA aleguem que são técnicos(as), e não políticos, essa “falsa neutralidade” tenta esconder sua real posição (política) em favor de um dos lados. Assim, no atual modo de produção capitalista a política organiza tudo que não é organizado pelo mercado. Urge, então, fóruns de discussões (políticas) em todas as instâncias de participação social/democrática, especialmente dentro das unidades escolares, de tal forma que os(as) trabalhadores(as) possam participar das formulações políticas desde a sua origem.

2. Quem são os “de cima” e quem são os “de baixo”, e a ameaça fantasma

Apostar com a vida dos(as) trabalhadores(as), seja através da “imunidade de rebanho” e/ou “tratamento precoce” (com cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina) e/ou “copa américa” em plena pandemia de covid-19, revela quem são os de cima (opressores/classe dominante), em oposição aos de baixo (oprimidos/classe trabalhadora). Torna-se cada vez mais evidente quem são nossos aliados, quem fazem a crítica radical ao sistema capitalista, através da “justa raiva”, cujo compromisso ético-político para com o serviço público, faz com que se recusem a cumprir ordens absurdas (dos de cima). Ao mesmo tempo, há os inimigos, que se esforçam para impedir o crescimento do poder popular, e exercem seu poder político para aumentar as desigualdades sociais, seja através da meritocracia e/ou culpabilização dos mais pobres e/ou dos “comunistas”. O fantasma do comunismo assombra, cada vez mais, os de cima, que dependem da exploração dos trabalhadores para continuar acumulando riquezas e aumentar o fosso das desigualdades.

3. (In)coerência entre discursos e práticas

Na tentativa de elucidar os fatos, os senadores perguntavam e a resposta vinha, por vezes, através de jogos discursivos, como por exemplo “Eu não fiz e também não mandei fazer.” De fato, o ocupante do cargo/função pública, pode até não ter feito determinada ação enquanto indivíduo. Porém, as atribuições/responsabilidades do cargo/função são exclusivas do depoente, e não podem ser delegadas a outra pessoa. É como se os pais perguntassem para a criança: “quem fez xixi na sua cama?”, ao que a criança refutaria com veemência: “-Eu não fui e também não mandei ninguém fazer!”.

4. Combater o negacionismo é tarefa de todos/as

O que achávamos superados, no ensino de ciências, como terra plana e/ou eugenia/racismo e/ou prevalência do senso comum sobre evidências científicas, na verdade só estava adormecido em nossa sociedade. Mesmo pessoas altamente escolarizadas utilizam-se de subterfúgios negacionistas (inobservância da ciência) para fazer valer sua visão de mundo excludente. Em “Educação após Auschwitz”, Adorno (2003) discute como a cultura e a educação alemã se rendeu ao nazismo, convocando-nos a pensar no quanto esse debate é importante para que a barbárie não se repita:

“A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas.”

5. Falência da educação neoliberal/capitalista

Vivemos em um mundo, com exceção das experiências socialistas reais, cuja organização se dá através da mercantilização, ou seja, da produção, comercialização e consumo de mercadorias. Nesse sistema, tudo se torna mercadoria ou colabora para sua valorização, inclusive a escola. Quem não concorda com essa forma de organização social (ideologia) é considerado “comunista”, ainda que não saibam exatamente o significado do comunismo. Daí surgem todas as mazelas dos sistemas educacionais. As escolas que servem ao capital, preparam os indivíduos para o mercado, são mais bem avaliadas e recebem mais recursos. Já as escolas que apontam as contradições desse sistema, discutindo criticamente a realidade dos(as) estudantes, são sucateadas/invisibilizadas. A CPIPANDEMIA tem cumprido o papel de tornar os argumentos ideológicos, que reproduzem a visão neoliberal/capitalista, bem claros para a população. O fato é que, como diz Krupskaya (1915):

“Enquanto a organização da questão escolar estiver nas mãos da burguesia, a escola do trabalho será um instrumento dirigido contra os interesses da classe operária. Apenas a classe operária pode fazer da escola do trabalho um instrumento de transformação da sociedade moderna”

6. Aulas desvinculadas da prática social não são aulas, a educação PQP

Se não sabemos para que estudamos, “qualquer coisa” serve? Responder sinceramente a essa pergunta simples, dentro da sua realidade/prática social, é tarefa inicial de todo(a) estudante consciente. Mas não é isso que acontece. Somos acostumados(as), através da “educação PQP”, a receber e aplicar o currículo tal qual nos é oferecido ou do jeito que aprendemos, sem qualquer diálogo com o público (estudantes) diretamente envolvido, principalmente naquilo que afeta sua prática social. Daí a educação da qual denomino PQP, onde o primeiro “P”, de papagaio, refere-se à reprodução desse sistema que tanto nos divide, nos separa, nos individualiza. Sabemos que, nas ciências, diferente das religiões, precisamos questionar/perguntar/criticar/dialogar, mas nunca reproduzir ou copiar sem a crítica necessária. O “Q”, de quebra-galho, significa a precariedade com que a educação pública é determinada hoje. A “farsa remota” é um bom exemplo dessa forma provisória, onde não atende a universalização da educação. O segundo “P”, de prova, está relacionado ao sentido das avaliações. Precisamos nos perguntar: avaliar para que? Quem, e em que bases/critérios, define a prova/avaliação? O fato é que os ataques, tanto a saúde quanto a educação, possuem raízes profundas nessa educação PQP.


[*] Professor de Ciências/Biologia, Mestre em Educação Profissional em Saúde, edu@roberto.bio.br.

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